terça-feira, 25 de novembro de 2014

Baraka

Este é um documentário que explora muito bem o recurso da imagem no cinema. O que poderia ser um recurso evidente e até elementar das telas, por vezes acaba sendo negligenciado com uma supervalorização da palavra. Aqui o diretor Ron Fricke trabalha com o extremo oposto ao fazer um filme sem diálogos, transmitindo tudo através de imagens bem articuladas e trilha sonora impecável.

Sem dúvida essa técnica torna a obra muito mais abstrata, com sentido amplo a ser definido por cada pessoa que a assiste. Isso não chega a ser um problema, afinal é um filme que ao longo de toda sua extensão provoca reflexões e lança questionamentos implícitos em suas sequências.

Uma das leituras possíveis do conteúdo é a apresentação de uma ‘breve história do tempo’, bem menos exata que a obra do físico Stephen Hawking. Das imagens iniciais, mesclando locais paradisíacos com a calma proporcionada por locais sagrados, somos apresentados a várias religiões.

Não é por acaso que as principais religiões do mundo são milenares. Uma de suas funções é exatamente o conhecimento, uma tentativa de explicar as dúvidas existenciais que acompanham os homens. De um simples relâmpago à origem da vida, tudo é atribuído a uma divindade, antes do desenvolvimento de conhecimentos mais científicos.

Intercalando planos, Ron Fricke nos mostra grandes cidades, sempre caóticas, poços de petróleo queimando e as religiões de uma forma bem mais contemporânea, com menos tranquilidade e mais caos. O caminho entre esses dois extremos não é curto, envolve séculos, milênios e coloca-lo no espaço de um longa metragem sem diálogos deve ser uma tarefa baseada em escolher o que não colocar.

Além da religião, ou mesmo junto com ela, a arte marca presença ao longo de nossa história. Desde as pinturas rupestres mais rudimentares, da arte de pintar o rosto dos indígenas e aborígenes, até as formas atuais, expressas também como arquitetura, música e tudo mais.

Talvez a síntese dos conteúdos dispersos exibidos sejam as grandes cidades. Natureza, arte, religião, exploração de recursos, exploração de pessoas. Assim como cada um de seus habitantes, as cidades despertam, cumprem suas jornadas – muitas vezes tão duras – e dormem. Têm sido assim há séculos e é pouco provável que grandes mudanças ocorram em pouco tempo.

O passo seguinte das sequências não é exatamente animador. Em contraposição a tantas belezas e imagens tranquilizadoras, as cidades também concentram ruínas, fome, destruição e o acúmulo de uma história rica em arte, mas também em guerras. O povo sofrido, por vezes esquálido, pouco tem em comum com exuberância dos ‘selvagens’ em harmonia com a natureza que os cerca.

Se pensarmos que um documentário como este tem material para manter a linha de belezas e logros, poderíamos concluir que há um pessimismo ao indicar o declínio a partir das grandes cidades, porém infelizmente há um desfecho coerente ao escancarar a desigualdade e a má distribuição de qualquer tipo de recurso, do mais simples e básico ao mais sofisticado e dispensável.

Recentemente uma pesquisa deu corpo a essa desigualdade. Foi divulgado que as 85 maiores fortunas mundiais equivalem à renda da metade da população. Em um mundo em que a desigualdade se esconde sob a égide da meritocracia, vemos que o conteúdo apresentado no filme está restrito nas mãos de pouquíssimas pessoas, cuja fortuna não pode ser sustentada sem que muitos passem fome.

Há quem defenda este absurdo alegando o investimento e geração de emprego por parte de quem tem recursos para investir, entretanto é essa ilusão que mantem um sistema tão frágil. Assim como a renda é desproporcional, o consumo dos indivíduos é igualmente concentrado, fazendo com que a pequena parcela mais rica também demande recursos que não são compatíveis com a oferta do planeta.

Mais do que um desequilíbrio econômico, que já não é pouca coisa, o documentário nos mostra um desequilíbrio ambiental insustentável. As mazelas das cidades não ficam restritas ao seu perímetro urbano, mas espalham-se extraindo riquezas em suas mais diversas formas.

O que fazer com uma sociedade que a partir de pequenas tribos dominou o planeta a ponto de coloca-lo em estado de alerta é uma questão difícil de ser respondida, sobretudo em apenas um filme. Porém a história não nos mostra apenas o passado, ela nos ensina, nos alerta e pode oferecer respostas. Livre de uma proposta conclusiva, Baraka propõe reflexão. Será que o habitual é mesmo o melhor ou único caminho?


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