Lidar com a angústia tem se tornado uma luta cada vez mais comum. Em maior ou menor quantidade quase todo mundo já se deparou com situações aflitivas e a forma com que cada um reage a essas situações varia muito. Esse sentimento parece ser a base deste longa do diretor Paddy Considine.
Não é apenas internamente que devemos trabalhar nossas angústias. A maneira com a qual exteriorizamos o sentimento é bastante particular e à medida que temos uma vida social, o comportamento gerado pela angústia interfere bastante em nossa vida e nas relações pessoais que estabelecemos.
Um dos extremos do filme é Joseph (Peter Mullan). Sentindo o peso da idade, seu passado parece atormentá-lo ainda mais que o presente. Fechado e com uma personalidade marcante, geralmente agressiva, parece que colhe a solidão que cultivou ao longo da vida.
É fugindo de uma das tantas confusões nas quais se envolve que o personagem entra no brechó de Hannah (Olivia Colman). Entre todas as reações que um sujeito cambaleando e desorientado pode suscitar ao entrar em uma loja vazia, Hannah exprime a que lhe dá conforto; oferece apoio ao desconhecido com base na sua própria fé, que a princípio serve de amparo para qualquer dificuldade que cruze seu caminho.
Independente de qual seja, a fé costuma ser um grande conforto em situações de extrema angústia. A ideia de um ser superior nos olhando e, sobretudo, cuidando de nossos problemas é agradável por intervir diretamente em uma das necessidades imediatas que o sentimento proporciona, ou seja, oferece cuidado e promete justiça.
O problema da fé é que ela é sempre muito abstrata. Não dá para controlar os fatores que levam uma pessoa a crer ou não em determinada religião, de forma que nada fará com que Joseph passe a ser religioso. Às vezes a conversão ocorre e não são poucos os casos de pessoas que dizem ter ‘encontrado o caminho’ ao entrar para uma igreja. É bom que essas pessoas não cruzem com um personagem como Joseph, que não mede esforços para deixar claro que todo o conforto religioso não passa de um engodo, vazio de conteúdo.
Invertendo o ponto de vista, Hannah tem uma personalidade muito mais contida que a de Joseph. Fica evidente ao longo do filme que ela acumula suas emoções ao máximo, o que não significa que não é atingida pelos efeitos negativos de alguns sentimentos. O que vemos fora das telas é que a propensão a um acesso de fúria por parte de pessoas assim é possível, mas muito menos frequente, sendo necessário estímulos muito mais intensos do que ao explosivo Joseph.
É curioso que por mais que sejamos complacentes com as dificuldades de Joseph, não é o tipo de personagem que chegamos a sentir pena ou mesmo defender com muito empenho. Ainda que ele sinta o peso da solidão, seja responsável em determinadas situações e justo em relação àqueles que precisam de ajuda, trata-se de um personagem bastante amargo e o remorso que demonstra por algumas atitudes do passado é logo coberto por algum momento mais egoísta.
Por outro lado, Hannah tem uma postura tão passiva diante das injustiças que sofre que não há como não a olhar como vítima. Com um marido que usa o discurso da moral cristã como escudo para poder agredi-la, física e psicologicamente, sua reação mais transgressora é beber escondida, rezando, como sempre, para que as coisas melhorem.
É claro que nas entrelinhas dessa trama principal há uma série de temas polêmicos, que isoladamente já renderiam um filme cada. O machismo no casamento de Hannah, o peso da idade do – também machista – Joseph, a trama de apoio formada pelos vizinhos de Joseph – que envolve uma criança em uma família desestruturada –, etc., tudo muito bem amarrado, dando um ritmo muito bom ao filme.
Quanto à angústia dos protagonistas, parece ficar cada vez mais clara ao longo da história a ideia de que é no mínimo imprudente julgar as maneiras que as pessoas encontram para lidar com o sentimento. É claro que nem tudo é aceitável, mas o fato de Joseph criticar a postura religiosa de Hannah não significa que ele sabe como se tranquilizar de forma satisfatória.
Entre os dois extremos retratados, as pessoas buscam inúmeras alternativas para o próprio desconforto. Drogas – lícitas e ilícitas –, relações sociais, hobbies, esportes... uns são muito mais aceitos que outros, mas em condições limites, como algumas apresentadas no filme, o respeito e consideração em relação aos que estão sofrendo são sempre muito bem-vindos.
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