terça-feira, 11 de agosto de 2015

A história da eternidade

Para contar sua história da eternidade o diretor Camilo Cavalcante intercala três tramas que se desenvolvem em um pequeno povoado do sertão nordestino. Em meio a diversas obras que narram a saga deste povo sofrido, que segue rendendo material a ser denunciado através da arte, este longa se destaca por colocar três protagonistas mulheres nas histórias, com cada uma tendo que lidar com seus próprios problemas e de alguma forma interagir com os personagens masculinos, que às vezes têm comportamentos vergonhosos.

Infelizmente alguns elementos ainda não podem faltar quando se pretende fazer um retrato realista da sociedade em questão. Logo no início somos apresentados a Querência (Marcélia Cartaxo), que enterra o filho em um pequeno caixão branco, coberto com a terra árida e poeirenta do local. Difícil pensar em quanto deve durar o luto de uma mãe e como devem ser inseridas novas histórias em sua vida, incluindo o afeto em relação a Ederaldo (Leonardo França), o sanfoneiro cego que não se cansa de tentar conquista-la.

Mais jovem, a adolescente Alfonsina (Débora Ingrid) assume o papel da mãe, que talvez tenha morrido, cuidando da casa e cozinhando para os irmãos, o pai e o tio. Ao que tudo indica a menina personaliza um estereótipo fatalista do gênero feminino em uma sociedade não apenas machista, mas restrita em um modo de vida com pouquíssimas alternativas. O talento da jovem atriz associado ao sempre brilhante Irandhir Santos, que faz o papel do tio Joo, dão destaque à história.

A menina é o vértice de dois extremos. Seu pai, Nataniel (Claudio Jaborandy), é a imagem clássica do sertanejo vaqueiro, que mantém uma vida extremamente dura para sustentar a família em terra tão hostil – o que não justifica certas atitudes do personagem. Já seu tio é um artista que estimula os sonhos da menina e o desgosto do irmão, que não vê com bons olhos suas performances artísticas incompatíveis com o estilo de vida do tradicional “cabra macho”.

Por fim a terceira história que se mescla às outras duas traz Das Dores (Zezita Matos), já idosa e solitária, que fica radiante com a notícia de que o neto Geraldo (Maxwell Nascimento) virá de São Paulo passar alguns dias com ela. Como era de se esperar, a visita não é redentora; além do choque cultural das gerações o jovem volta por ter sido jurado de morte na metrópole.

Desta forma o diretor apresenta através das três histórias fases distintas de mulheres que sofrem, mas que também carregam nos ombros responsabilidades imensas, dentro de um ambiente tão machista que não vê em atitudes fortes e corajosas mais que uma simples obrigação. Entre a menina que cuida da casa com toda a responsabilidade, a mulher que chora a morte do filho e a avó que acolhe o neto independente dos motivos de sua fuga, podemos ver uma trajetória de problemas de vidas que seguem por uma estrada muito estreita e com poucas alternativas.

A história parece de fato eternizada pela dificuldade secular de viver em um ambiente hostil não somente pelo clima árido, mas pelo comportamento árido de pessoas presas a uma tradição dura. Invertendo a lógica tradicional de narrativas baseadas no protagonista masculino e chefe de família, vemos dessa vez aquelas que costumam ser coadjuvantes graças à herança machista da sociedade, mas que na prática ocupam papel indispensável na vida das famílias.

Em meio à moral exacerbada e a necessidade de manter distância física, já que a proximidade é sempre mal vista graças ao tal pecado da carne, vemos que é através do contato que os personagens acabam buscando a solução para suas angústias. É no afeto que tentam encontrar um pouco de alívio, o que deveria parecer bastante natural em uma espécie que evoluiu há milhares de anos através da vida em grupo.

Infelizmente o que parece natural pode soar absurdo do ponto de vista social. Sem adiantar detalhes em relação à conclusão das histórias, é possível antever o que fica até evidente ao longo do filme; certas normas de conduta tornam-se inquestionáveis em curto prazo, corroborando a ideia de que mudanças sociais acontecem lentamente. Mesmo as grandes revoluções são explosões de pequenos acúmulos que ocorrem ao longo do tempo, até que ganham força para maiores mudanças.

A impressão que fica é que o filme realmente conta a história da eternidade, que se por um lado é mutável, por outro conserva-se quase intacta quando analisada em um espaço de tempo curto. Ampliando esse conceito para um espaço maior que o do filme fica claro que com atitudes um pouco menos rígidas muitos problemas poderiam ser evitados.


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