Com o longa Salve Geral, que estreia dia 02 de Outubro com possibilidade de representar o país no Oscar, Sérgio Rezende nos remete a maio de 2006, quando o PCC – Primeiro Comando da Capital – surpreendentemente conseguiu parar a maior cidade do país.
Através da vida de Lucia (Andréa Beltrão) e seu filho Rafa (Lee Thalor), que em pouco tempo passam de uma família de classe média para envolvidos com o Partido que comanda informalmente o sistema carcerário do estado, o diretor trabalha com diversos pontos sob a perspectiva das partes envolvidas, ou seja, personagens envolvidos diretamente com as atividades carcerárias; a classe média, distante do sistema prisional; políticos atuando em decisões; e delegados incumbidos de resolver diversos problemas. Como já era de se esperar devido à temática o filme já causa grande polêmica antes mesmo da estreia, principalmente pelo diretor não trabalhar com uma visão extremamente moralista.
A guinada na vida de Lucia começa com o declínio econômico após a morte do marido. A advogada que nunca exerceu a profissão tenta agora manter a vida dando aulas de piano e o instrumento no filme é um elo entre o passado de classe média alta e o presente cada vez mais caótico. Rafa recusa-se a aceitar a nova realidade de sua vida e em uma situação circunstancial de irresponsabilidade da juventude (semelhante às comentadas no artigo sobre o filme “Cama de Gato”) assassina uma jovem e é condenado. Este é o eixo do filme, que nos permite notar a mudança de atitudes de Lucia. A princípio o que restava era orientar o filho a ficar longe de qualquer confusão para que o réu primário cumprisse um sexto da pena e pudesse gozar dos benefícios concedidos aos detentos com bom comportamento, entretanto nem tudo é tão simples dentro da cela, e fora da cadeia a protagonista percebe aos poucos que pode se reaproximar de sua antiga vida de classe média alta e cuidar de seu filho, dando-lhe um pouco de conforto e segurança, de forma rápida, ainda que ilícita e, para seus antigos padrões burgueses, imoral.
A recente amizade com Ruiva (Denise Weinberg), advogada ligada ao Partido, aproxima Lucia da facção que provou, através dos ataques de 2006, dominar o sistema carcerário paulista. É interessante a abordagem do diretor, que dialoga muito com a obra 1984 de George Orwell. Em um universo bem menor que o abordado no livro, temos aqui a presença do Partido, que a princípio sabe de tudo, coordena ações, dá ordens e nunca falha – como quando um de seus integrantes justifica um erro gramatical do manifesto, alegando que quando tomarem o poder a gramática será adequada ao que o Partido impor. Um dos líderes, o Professor (Bruno Perillo), explica a origem do movimento como uma intenção de ordenar um sistema prisional que beira a falência, evitando estupros, roubos, etc. Sem querer defender a existência de um poder paralelo para tomar atitudes que cabem ao estado, ressalto que a solução destes problemas é evidentemente necessária, e não há indícios de quando algum governo tomará tais atitudes. É impossível negar que os detentos não esperarão por medidas institucionais e tentarão resolver problemas latentes por suas próprias vias.
O outro extremo abordado é a classe média, alienada do sistema carcerário, que em prol da própria segurança adota a cômoda postura individualista. No filme a representante desta classe é Ângela (Chris Couto), irmã de Lucia. Ambas promovem um marcante diálogo maniqueísta no qual uma defende ações mais severas da polícia de forma a anular a expressividade dos detentos e a outra argumenta que a irmã, ao falar sobre o que não conhece, generaliza e simplifica demais o problema em questão. Aqui entra a principal crítica que o filme tem recebido, pois é cada vez maior o senso comum de que detentos devem ser tratados da pior forma possível. Diante de um filme com esta temática não demora a aparecerem defensores da pena de morte e nas entrelinhas Rezende provoca, mostrando que o Partido adota a pena de morte, ou seja, neste sentido os adeptos à extrema punição igualam-se aos que são alvos de suas indignações.
Coordenando formalmente os presídios, incumbido de prevenir e posteriormente resolver o caos, temos o delegado que além de lidar com facções criminais sofre pressões de políticos para resolver os problemas de qualquer forma, desde que discreta para não alarmar a população influenciando nas eleições. O papel dos políticos envolvidos é bem sintetizado pela frase do filme: “polícia eficiente mais bandido morto é igual a voto.” Assim o esquema velado de propinas e tráfico de influências do presídio não é coibido, desde que não vire um escândalo que choque eleitores. O desenvolvimento do esquema de corrupção resulta no poder do Partido, que consegue parar São Paulo em represália as medidas do delegado. Mais uma vez uma instituição chega ao ponto de ter que remediar, ao invés de prevenir.
Longe de ser uma apologia ao crime o trabalho de Rezende mostra que a população carcerária é formada por pessoas – ainda que tenham cometido crimes, portanto passíveis de punição. Aos que ainda acreditam que detentos devem ser tratados pior que animais, vale lembrar que apesar de muitos não terem tido acesso à escola, são pessoas que diferente de animais maltratados, reagirão racionalmente com o intuito de melhorar suas condições. É constrangedor notar que um pensamento medieval, de que a punição através dos maus tratos é a solução para crimes, ainda vigora. Obras como Salve Geral dão um alento no sentido de modernizar essa ideia cruel.
Através da vida de Lucia (Andréa Beltrão) e seu filho Rafa (Lee Thalor), que em pouco tempo passam de uma família de classe média para envolvidos com o Partido que comanda informalmente o sistema carcerário do estado, o diretor trabalha com diversos pontos sob a perspectiva das partes envolvidas, ou seja, personagens envolvidos diretamente com as atividades carcerárias; a classe média, distante do sistema prisional; políticos atuando em decisões; e delegados incumbidos de resolver diversos problemas. Como já era de se esperar devido à temática o filme já causa grande polêmica antes mesmo da estreia, principalmente pelo diretor não trabalhar com uma visão extremamente moralista.
A guinada na vida de Lucia começa com o declínio econômico após a morte do marido. A advogada que nunca exerceu a profissão tenta agora manter a vida dando aulas de piano e o instrumento no filme é um elo entre o passado de classe média alta e o presente cada vez mais caótico. Rafa recusa-se a aceitar a nova realidade de sua vida e em uma situação circunstancial de irresponsabilidade da juventude (semelhante às comentadas no artigo sobre o filme “Cama de Gato”) assassina uma jovem e é condenado. Este é o eixo do filme, que nos permite notar a mudança de atitudes de Lucia. A princípio o que restava era orientar o filho a ficar longe de qualquer confusão para que o réu primário cumprisse um sexto da pena e pudesse gozar dos benefícios concedidos aos detentos com bom comportamento, entretanto nem tudo é tão simples dentro da cela, e fora da cadeia a protagonista percebe aos poucos que pode se reaproximar de sua antiga vida de classe média alta e cuidar de seu filho, dando-lhe um pouco de conforto e segurança, de forma rápida, ainda que ilícita e, para seus antigos padrões burgueses, imoral.
A recente amizade com Ruiva (Denise Weinberg), advogada ligada ao Partido, aproxima Lucia da facção que provou, através dos ataques de 2006, dominar o sistema carcerário paulista. É interessante a abordagem do diretor, que dialoga muito com a obra 1984 de George Orwell. Em um universo bem menor que o abordado no livro, temos aqui a presença do Partido, que a princípio sabe de tudo, coordena ações, dá ordens e nunca falha – como quando um de seus integrantes justifica um erro gramatical do manifesto, alegando que quando tomarem o poder a gramática será adequada ao que o Partido impor. Um dos líderes, o Professor (Bruno Perillo), explica a origem do movimento como uma intenção de ordenar um sistema prisional que beira a falência, evitando estupros, roubos, etc. Sem querer defender a existência de um poder paralelo para tomar atitudes que cabem ao estado, ressalto que a solução destes problemas é evidentemente necessária, e não há indícios de quando algum governo tomará tais atitudes. É impossível negar que os detentos não esperarão por medidas institucionais e tentarão resolver problemas latentes por suas próprias vias.
O outro extremo abordado é a classe média, alienada do sistema carcerário, que em prol da própria segurança adota a cômoda postura individualista. No filme a representante desta classe é Ângela (Chris Couto), irmã de Lucia. Ambas promovem um marcante diálogo maniqueísta no qual uma defende ações mais severas da polícia de forma a anular a expressividade dos detentos e a outra argumenta que a irmã, ao falar sobre o que não conhece, generaliza e simplifica demais o problema em questão. Aqui entra a principal crítica que o filme tem recebido, pois é cada vez maior o senso comum de que detentos devem ser tratados da pior forma possível. Diante de um filme com esta temática não demora a aparecerem defensores da pena de morte e nas entrelinhas Rezende provoca, mostrando que o Partido adota a pena de morte, ou seja, neste sentido os adeptos à extrema punição igualam-se aos que são alvos de suas indignações.
Coordenando formalmente os presídios, incumbido de prevenir e posteriormente resolver o caos, temos o delegado que além de lidar com facções criminais sofre pressões de políticos para resolver os problemas de qualquer forma, desde que discreta para não alarmar a população influenciando nas eleições. O papel dos políticos envolvidos é bem sintetizado pela frase do filme: “polícia eficiente mais bandido morto é igual a voto.” Assim o esquema velado de propinas e tráfico de influências do presídio não é coibido, desde que não vire um escândalo que choque eleitores. O desenvolvimento do esquema de corrupção resulta no poder do Partido, que consegue parar São Paulo em represália as medidas do delegado. Mais uma vez uma instituição chega ao ponto de ter que remediar, ao invés de prevenir.
Longe de ser uma apologia ao crime o trabalho de Rezende mostra que a população carcerária é formada por pessoas – ainda que tenham cometido crimes, portanto passíveis de punição. Aos que ainda acreditam que detentos devem ser tratados pior que animais, vale lembrar que apesar de muitos não terem tido acesso à escola, são pessoas que diferente de animais maltratados, reagirão racionalmente com o intuito de melhorar suas condições. É constrangedor notar que um pensamento medieval, de que a punição através dos maus tratos é a solução para crimes, ainda vigora. Obras como Salve Geral dão um alento no sentido de modernizar essa ideia cruel.
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