terça-feira, 3 de agosto de 2010

Mary & Max - Uma amizade diferente

Há pouco tempo atrás os desenhos animados eram quase exclusivamente voltados para as crianças e raramente algum longa de animação era lançado com destaque, conseguindo uma bilheteria modesta. Atualmente os estúdios de animação criam produções milionárias e a quantidade de filmes lançados já proporciona fragmentação do setor com produções voltadas para públicos específicos, não apenas crianças em geral.

Na contramão dos lançamentos recentes, cada vez mais sofisticados e com efeitos visuais que buscam a perfeição, o australiano Adam Elliot lança Mary e Max. O longa utiliza bonecos de massinha e a técnica de stop-motion para retratar a inusitada amizade entre o nova-iorquino Max, que com 44 anos vive em seu mundo preto e branco, e a pequena australiana Mary, que por acaso envia uma carta de seu mundo em tons pastéis com suas dúvidas infantis ao americano. A partir daí começam uma amizade que dura mais de dez anos através de cartas que, de maneira muito simples, abordam assuntos bastante complexos. É um filme com muito conteúdo, formas muito bem trabalhadas e definitivamente não é voltado apenas às crianças.

Apesar dos 36 anos de diferença os dois protagonistas têm muito em comum e com o pouco que vemos da infância de Max podemos concluir que, não fosse a amizade criada, Mary provavelmente se tornaria uma adulta solitária e um tanto rabugenta, seguindo os passos de seu amigo, cuja solidão talvez pudesse ser justificada por um distúrbio. Aos poucos ambos trocam presentes, dúvidas e conselhos (por mais inusitado que possa parecer o adulto pede conselhos à menina), sendo as correspondências tão abrangentes que é praticamente impossível não nos reconhecermos em algumas situações.

Uma das tantas lições que podem ser aprendidas com os bonecos de massinha é que quanto mais nos trancamos em nós mesmos, mais exigentes ficamos em relação aos outros e menor a tolerância diante das atitudes tomadas por outras pessoas. A solidão que acompanha Max há mais de quatro décadas o torna incapaz de expressar sentimentos de forma cotidiana, sem que uma simples carta seja acompanhada de angústia e apreensão. Da mesma forma, o homem que não consegue chorar acaba substituindo as lágrimas por crises de pânico quando seus traumas são reavivados pelas queixas da garotinha, que sofre na escola com os mesmos problemas pelos quais Max já havia passado. Apesar de a solidão incomodar, o hábito de não ter ninguém que se contraponha às suas ideias faz com que Max afaste-se cada vez mais das pessoas, criando uma bola de neve; quanto mais isolado mais intolerante, o que acaba afastando as pessoas que o deixam ainda mais solitário.

Além disso, notamos outra importante característica em comum aos dois amigos: são extremamente sonhadores, com devaneios que variam entre os mais banais aos mais utópicos. O diferencial do filme é que, ao contrário da maioria, não mostra os protagonistas realizando seus sonhos e obtendo a felicidade esperada; tão pouco mostra as frustrações por não ter os sonhos realizados. A opção do diretor foi mostrar como as realizações também podem ser extremamente frustrantes, como muitas vezes verificamos em nossas vidas. Ao criarmos uma meta idealizamos tudo de forma perfeita e nos apoiamos em nossas convicções na esperança de que ao concluirmos nossos planos tudo será perfeito. Porém na prática os sonhos, quando vêm, trazem decepções inesperadas, que muitas vezes sufocam o prazer de quem não está disposto a abrir mão da perfeição idealizada, e para piorar ainda mais, é no sonho que algumas pessoas baseiam suas vidas, portanto uma vez realizado o sonho elas deparam-se com a situação inusitada de não ter de imediato pelo que viver. A princípio pode parecer estranho e incoerente, mas para algumas pessoas pode ser assustadoramente real.

O filme, multifacetado, não mostra apenas desilusões e tristeza. Os detalhes em vermelho vivo que quebram a monotonia das cores sóbrias, a trilha sonora que embala fatos que para uma menina de oito anos são verdadeiras aventuras, algumas trapalhadas que só são possíveis em animações e muitos outros pontos mantêm o elemento de comédia presente na maioria dos filmes deste gênero. Uma ótima mistura de humor e drama. Imperdível para quem gosta e para quem não gosta de animações!


Um comentário:

Fernando Bonfim disse...

Desde que assisti Coraline e o mundo secreto (outra animação para adultos) pensei que seria muito difícil aparecer uma animação tão boa logo, mas Mary e Max me surpreendeu.
Sou fissurado em stop-motion e fiquei muito fã deste.

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