Viver costuma ser difícil. Quando nos livramos do engodo da felicidade e lançamos um olhar crítico, sem saudosismo, para nosso passado e presente vemos quantos percalços cercam os bons momentos e quantas lutas temos que enfrentar para chegar a alguns momentos de satisfação. Quando crianças, enfrentamos medos que pelo ponto de vista adulto são bobagens passageiras, mas para quem tem pouquíssima experiência de vida as reações podem ser equivalentes às de um executivo a beira da falência. Depois que nos tornamos adultos intensificam-se os deveres, as responsabilidades e a necessidade de sermos soberanos em nossas decisões, ou seja, fica cada vez menor a possibilidade de recorrer à ajuda dos pais. Entre essas duas fases distintas está Hubert (Xavier Dolan, que escreveu o roteiro e atua como protagonista do filme, baseado em sua própria história).
O fato de um filme sobre um adolescente ter sido escrito por quem viveu há pouco as experiências relatadas ressaltam pontos pouco explorados pelo senso comum ao falar desta delicada etapa da vida. Longe de atingir a emancipação da vida adulta e com medos infantis remanescentes, a adolescência é a fase em que vivemos intensamente os problemas dos dois períodos e quando exteriorizamos as consequências deste bombardeio de dúvidas, angustias e medos, o diagnóstico mais comum dado pelas pessoas próximas vem carregado de culpa, que só piora a confusão habitual.
Essa transição fica bastante clara nos cortes abruptos de comportamento de Hubert, que passa de agressões severas e requisição de liberdade para cobrança de atenção e amparo. Qual reivindicação é sincera? Ambas. O que torna a postura dos pais igualmente difícil.
No filme Chantale (Anne Dorval) é a mãe de Hubert e tem atitudes que beiram o ridículo – com uma construção de personagem evidentemente parcial, dado que o autor do filme é o filho –, mas absurdos e exageros a parte, as ações e reações do filme são plausíveis. Igualmente incoerente, o comportamento dos pais transita pelo desejo de emancipação dos filhos, para que estes cresçam e sejam independentes, e o desejo de laços eternos impostos pela vontade de ter a cria sempre por perto. Como se não bastasse, boa parte dos pais (inclusive Chantale e o pai de Hubert, que o vê duas vezes por ano) não se contentam com a felicidade do filho, pois estes devem ser felizes da maneira que os pais esperam. Desta forma, não basta que o filho trabalhe, pois deve seguir o ramo que os pais escolhem; a faculdade deve ser a escolhida pelos pais antes mesmo da criança nascer; o relacionamento deve passar pelo crivo dos pais e começar quando estes acharem prudente, etc.
Dizer que tanto o papel dos pais quanto o dos filhos é difícil também é uma fuga cômoda das responsabilidades de cada um. É relevante pensarmos que nessa relação os adolescentes têm menos vivência e por mais que tenham comportamento conflituoso e incoerente, suas personalidades refletem muito dos laços familiares ao longo da vida – ou mesmo a ausência destes laços. Por outro lado, os pais que reclamam tanto dos “aborrescentes” tiveram mais de uma década para uma socialização da criança, baseada na educação mútua – afinal ter um filho também é uma novidade na vida de qualquer um – e o desenvolvimento de uma relação que não desemboque em explosões de fúria e cobrança de afeto como vemos no filme de Xavier Dolan.
Em suma, após vários anos em frente à TV enquanto os filhos crescem sozinhos, dá muito mais conforto aos pais empurrar a culpa do comportamento rebelde de um adolescente aos amigos, escola, relacionamentos, drogas e tantos outros supostos males que rondam os filhos, sempre fora da alçada dos pais, para que estes possam adotar a postura de competentes dentro do que lhes cabia.
Vi diversas críticas indicando o filme para quem vive a mesma situação relatada, com as mesmas relações conflituosas. É de fato válido, porém acredito que seja ainda mais indicado para os pais que ainda não chegaram nesse extremo, já que muitos problemas podem ser evitados, ao invés de combatidos.
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