terça-feira, 6 de setembro de 2011

Além da Estrada

O longa do diretor Charly Braun (não é nome artístico!) conta com roteiro simples, mas não simplista, e encanta com a beleza das paisagens uruguaias, além da simpatia de muitos personagens que aparecem ao longo da viagem que forma o road-movie. O encontro causal do argentino Santiago (Esteban Feune de Colombi) com a belga Juliette (Jill Mulleady) proporciona uma viagem envolvente, tanto pela estrada com percalços quanto pelo que há além da estrada, metafórica para o curso da vida dos personagens.

Em meio à ficção há depoimentos de moradores locais cuja espontaneidade dificilmente poderia ser encenada, e é mérito do diretor ter inserido esses trechos de forma muito natural na trama, misturando ficção e realidade sem cortes repentinos. Outra ferramenta que contribui para dar naturalidade à história é o enredo abstrato e incerto, assim como o futuro de quem põe o pé na estrada, sem saber muito bem o que virá pela frente.

A meta de Santiago é bastante clara, pois quer conhecer um terreno deixado pelos pais, falecidos, em Rocha. Já Juliette vem da Europa para tentar encontrar um antigo amor, com a esperança de uma vida melhor. A partir daí a estrada – da viagem e da vida – pode até ser bem traçada e planejada, mas conta com inúmeros e inevitáveis cruzamentos, a partir dos quais não se sabe muito bem o que pode acontecer. O que resta é encarar os imprevistos e tirar proveito deles da melhor forma possível.

A história do filme se desenrola à medida que os dois personagens principais se deparam com a necessidade de se desviar do que haviam planejado. É evidente que no cinema vemos personagens agindo sob direção e tomando atitudes que remetem a um roteiro, porém a forma com que o diretor apresenta o filme aproxima muito a ficção e a vida real. Desta forma o que faz os desvios de percurso serem bons ou ruins depende em grande parte da forma com que são encarados e trabalhados. Assim como na vida de qualquer um, pesa nas decisões dos personagens os conselhos de pessoas mais velhas, que tem a vantagem de poder contar com a maturidade, pois se é, felizmente, inevitável sermos surpreendidos por imprevistos, a maturidade nos ajuda a ter discernimento e nos afastar um pouco das piores escolhas – sempre tão atrativas quando queremos agradar.

Como o vínculo do casal de amigos é construído desde o início do filme, com o contato entre os dois sempre aumentando, algumas cenas em que eles estão separados podem soar um pouco estranhas e soltas. O interessante é que as cenas de estranhamento condizem com a denúncia de que o local pacato, hospitaleiro e extremamente atraente aos visitantes já é alvo da especulação imobiliária, com a elevação dos preços dos terrenos e cujo desdobramento, ainda que o filme não fale, é a inevitável descaracterização local. Tão estranho quanto o afastamento do casal, quando o afeto entre os dois é substituído por atitudes muito mais egoístas, é a ideia de descaracterização do vilarejo.

Sem uma grande trama, quase fundamental em filmes mais comerciais, o que nos prende aqui é a expectativa sobre o que haverá para além da estrada de cada personagem e como cada um vai lidar com os imprevistos que os lançam um contra o outro. A expectativa estimulada pelo filme é de que os dois fiquem juntos, pois a cumplicidade e ternura entre os dois, somadas às cenas gravadas com uma super-8, dão a impressão de um relicário de bons momentos. A dúvida é se ambos aproveitarão as boas chances que o acaso lhes proporciona, e essa dúvida nos vem por ser tão comum desperdiçarmos os acasos na vida real.

Lamentar que histórias como a de Santiago e Juliette só acontecem nos cinemas é frequente. De fato não é todo dia que temos a chance de viajar por lindas paisagens no interior do Uruguai, encontrar pessoas agradáveis e desfrutar bons momentos. Porém o filme não traz nada de extremamente cinematográfico, exibindo apenas um recorte do momento em que as estradas dos dois personagens se cruzam. Assim como torcemos para que eles deem uma chance um ao outro, também podemos olhar para além da estrada que seguimos. Por vezes, os atalhos e desvios podem oferecer grandes surpresas.


2 comentários:

Ibirá Machado disse...

Oi, Alexandre, obrigado por mais esse excelente artigo! :)

Espero te ver nos próximos filmes!

Alexandre disse...

Opa, eu que agradeço! Precisando, estamos aí! =)

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