quarta-feira, 12 de maio de 2010

Sobre meninos e lobos (Mystic River)

Sobra talento individual neste longa dirigido por Clint Eastwood, a começar do próprio. Em adaptação do livro homônimo, Eastwood faz um filme policial em Hollywood, entretanto descontroi diversos estereótipos e na maior parte do longa fica distante da abordagem convencional de diretores norte-americanos. Não se trata de um bang bang moderno com tiroteios pelas ruas movimentadas, nem do maniqueísmo que separa mocinhos e bandidos tentando eliminar qualquer ponto em comum entre ambos. Vemos uma mistura de meninos e lobos – um bom título em português – representada pelos protagonistas, que podem estar ora de um lado, ora de outro da linha extremamente tênue, se não inexistente, entre o certo e o errado.

Os referidos protagonistas são nada menos que Jimmy (Sean Penn), Dave (Tim Robbins) e Sean (Kevin Bacon), três amigos na infância que o tempo, com influência do sequestro de Dave, reduziu a vizinhos distantes. Até neste ponto o roteiro mistura bem e mal, pois uma tragédia, alfinetando a pedofilia na igreja católica, separa os amigos que só voltam a ter contato e a revisitar as memórias após outro fato trágico, desta vez com a família de Jimmy.

O título original, Mystic River, remete ao rio que corta a cidade de Boston, mas também forma uma interessante metáfora para a história cercada de mistérios e personagens mergulhados em si, cada um com suas mágoas de forma a beirar o ocultismo. As vidas carregadas por um passado bastante traumático desencadeiam fatos que culminam em um quebra-cabeças para o agora policial Sean e seu parceiro Whitey (o coadjuvante (!) Laurence Fishburne). Mesmo sendo guiado pelo mistério de um crime não solucionado, não é este o ponto forte do filme, pelo contrário, pois a dúvida não chega a prender tanto a atenção e as hipóteses que tentam montar vários suspeitos são facilmente desconstruídas.

Chama a atenção a densidade dos personagens e a fragilidade da história construída por nuances que só funcionam se estiverem cuidadosamente estruturadas de forma impecável. Esse encadeamento dos fatos culminando em um ponto específico é citado no próprio filme quando Jimmy diz que a mãe de Hitler cogitava um aborto, o que poderia ter mudado a história da humanidade. E com quantas pequenas tragédias cotidianas não nos deparamos durante a vida? Fatos inexplicáveis nos quais há tantos detalhes, individualmente irrelevantes, mas indispensáveis ao todo, que, talvez por comodidade, culpamos o destino.

Por fim, adeptos da justiça com as próprias mãos e defensores da pena de morte, sobretudo diante da confissão do criminoso, talvez tenham que reestruturar seus argumentos depois do que o enredo nos apresenta. Será válido analisar um fato sem levar em conta sua história, para que uma decisão tão drástica e definitiva seja tomada? Com que legitimidade nos colocamos do lado dos meninos, se a qualquer momento um destes – talvez nós mesmos, dependendo do ponto de vista – age como um lobo? O trabalho de Eastwood mostra uma lógica segundo a qual cada detalhe é tão relevante e tão frágil que a qualquer momento uma tragédia pode encobrir a outra.



2 comentários:

Fernanda disse...

Aleeeeeee,

Amo esse filme!!! Ai, ainda não li todo o seu blog (vc vai entender qdo ler meu e-mail)mas...já assistiu "Monster"? bom, preciso ler seus textos antes de recomendar filmes...

Beijos
saudades
vou seguir vc no seu tw, tá?

Fer

Cherry Pin Up disse...

Vii esse filme na noite passada!
Minha indignação é enorme!
So espero que mais pessoas possam ver esse filme, e que possam encarar a realidade do que acontece na nossa sociedade capitalista e depravada.!!!
Onde nao leis, e aqueles que comentem o mal a infligem sempre saem por cima ..

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