terça-feira, 29 de novembro de 2016

Viva Cuba!

Desde que Shakespeare contou a história dos dois jovens apaixonados, cuja rivalidade entre as famílias impedia o tão sonhado relacionamento, o enredo vem servindo de base para uma infinidade de histórias de relacionamentos no mínimo improváveis.

Este longa é a versão cubana do diretor Juan Carlos Cremata Malberti para a esperança da juventude que desafia uma tradição geralmente insustentável. De forma lúdica, não se trata de um casal romântico, mas de uma amizade infantil daquelas que os adultos tendem a ver como um futuro relacionamento, mas que para as crianças é uma amizade muito mais inocente e até pedagógica, por introduzir os primeiros conflitos a serem resolvidos.

Não há um motivo concreto para a divergência entre as famílias de Jorgito (Jorge Milo) e Malu (Malu Tarrau Broche), porém alguns sinais indicam que o menino vive em uma família castrista, simpática ao regime político da ilha e sem religião, enquanto a mãe de Malu, católica, separada e com mais recursos, quer deixar Cuba, precisando apenas da autorização do pai da menina. É para impedir a autorização que os dois resolvem fugir e cruzar a ilha sozinhos, de uma ponta à outra, onde mora o pai de Malu.

Se por um lado tudo que está relacionado a Cuba ganha uma dimensão política desde a revolução, por outro é uma história contada há séculos, plausível em qualquer lugar do mundo, com particularidades que marcam cada adaptação. Levar a ideia de um romance para o universo infantil suavizou os conflitos da história, permitindo que possamos assistir sem a necessidade de eleger anjos e demônios.

Sem dúvida muitos preferem seguir com uma ideologia superficial que nutre um ódio profundo a tudo que venha de Cuba, mesmo sem saber muito bem por que. A estes o título do filme já é uma barreira ao conteúdo, que os faz perder a chance de acompanhar o divertido road movie, que nos leva da capital Havana ao extremo leste mostrando as belas paisagens naturais, as virtudes e os problemas, que existem como qualquer país.

As interpretações metafóricas feitas com base na história de “Romeu e Julieta” ao longo dos séculos também podem ser aplicadas à trama de Malberti. Não é por acaso que questões tão delicadas opõem as famílias vizinhas em Havana. A mesma intolerância resultante da falta de diálogo, que fez Shakespeare explorar até as últimas consequências o relacionamento de seus personagens, aqui está presente, ainda que de uma forma mais suave.

Enquanto Jorgito e Malu estudam juntos e vivem intensamente essa fase de descobertas, suas famílias mantém uma intransigência desnecessária. Colocar os pais no mesmo patamar, sem tomar partido ou apontar um dos lados como vítima, indica que as crianças acabam sendo a parte prejudicada de toda a história, tendo que lidar com uma inimizade que sequer compreendem. É no mínimo interessante desenvolver a trama desta forma em um país que há décadas sofre com um bloqueio econômico resultante de uma desavença de governos que, se um dia fez algum sentido, já não se sustenta.

Evidente que a comparação é restrita. Para pensarmos os pais das crianças como governos tutores da população, esbarramos na horizontalidade das duas famílias, sendo a disparidade entre o governo cubano e seu principal opositor ideológico é incomparável. Quase trinta anos após o fim da Guerra Fria, é um engodo achar que Cuba tem algo a barganhar com os norte-americanos.

As famílias do filme precisaram de um grande abalo para poder colocar a cabeça no lugar e agir racionalmente, pelo bem dos filhos. Em relação aos governos esse abalo é mais complexo, pois questões históricas, diplomáticas e vários outros fatores influenciam na decisão de agir racionalmente, pelo bem da população. Obama foi até Cuba para tentar um primeiro passo – os EUA iniciaram o bloqueio, cabe a eles encerrá-lo –, Fidel, se é que ainda tinha influência política, se foi. Resta aguardarmos os passos dos próximos atores políticos.

Durante a aventura das crianças, em meio às belas paisagens do interior do país, um homem dá carona aos dois e, talvez para evitar que passem a noite ao relento, assusta os pequenos com a lenda dos guijes, supostas criaturinhas que andam a noite para matar as pessoas de susto. Depois de tantos anos de guerra psicológica, com golpes baixos dos dois lados, parece que hoje o temido comunismo cubano atua na política internacional como um guije, assustando aqueles que preferem criar um monstro imaginário a dar uma olhadinha fora da caixa.


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