A Segunda Guerra deve ser o evento histórico mais documentado pelo cinema. De fato foi um episódio extremamente marcante na história da humanidade e sendo os países envolvidos os grandes produtores do cinema atual, é compreensível que outros conflitos mais recentes e igualmente repudiáveis acabem ficando em segundo plano para os diretores.
Isso acaba tornando o longa do diretor Vicente Ferraz bem peculiar, pois aborda a Segunda Guerra sob a ótica de soldados brasileiros, enviados para lutar em uma terra desconhecida, contra inimigos completamente aleatórios. Não temos a visão de algum povo europeu, que viveu a Segunda Guerra com horror, mas com a perspectiva de lutar contra a ameaça nazista ou contra a ocupação do próprio território.
Se já é uma insanidade governantes decidirem declarar uma guerra enviando a população para batalhas e coordenando estratégias de dentro de escritórios completamente seguros, enquanto soldados sem o menor poder de escolha lutam mais por sobreviver que para derrotar o dito inimigo; que dirá um país do outro lado do oceano, que, diferente dos EUA, não tinha o menor poderio militar ou influência na política mundial, enviar uma tropa despreparada para aprender na prática a combater um inimigo desconhecido.
Hoje as intenções de se retratar batalhas da Guerra no cinema também são evidentemente distintas. As produções norte-americanas têm uma necessidade irritante de criar heróis de guerra. Desde o Rambo de Sylvester Stallone, cujas façanhas heroicas beiram a comédia, até o sargento interpretado por Brad Pitt em Corações de Ferro, o exército americano é sempre liderado por um soldado que parece ter o patriotismo como único sentimento e enfrenta bravamente os inimigos, que são indubitavelmente maus.
Qualquer obra documental sobre a guerra mostra traços comuns nos relatos de soldados, independente do país que defenderam. Mesmo os que ansiavam pelas batalhas do front, com a intenção de derrotar um inimigo, em pouco tempo tinham essa ilusão desfeita e o medo da morte passava a não ser uma vergonha, mas uma realidade para qualquer um daqueles que enfrentavam combatentes com armas cada vez mais poderosas.
A realidade de soldados completamente desconectados da ideia de guerra como uma forma necessária de defender ou conquistar territórios é muito mais condizente com os personagens do filme. Em um ambiente extremamente tenso, em que a qualquer momento um ataque surpresa pode surgir de onde menos se espera, uma explosão coloca em pânico o soldado Piauí (Francisco Gaspar) e isso faz com que um grupo se dissipe. A partir disso, além do medo dos inimigos, os soldados passam a temer o próprio exército.
A justiça militar é arbitrária. Não que na esfera civil não existam problemas, algumas questões em relação à justiça são debatidas há séculos, mas no exército não há tanto espaço para defesa. Em uma situação como a que é retratada no filme os soldados poderiam facilmente ser considerados desertores e sofreriam punições aleatórias, sem direito à ampla defesa.
É como uma tentativa de reinserção ao grupamento que os soldados decidem tentar abrir a estrada 47, o que significa desarmar as minas terrestres, com potencial para inutilizar um tanque de guerra. Vemos cidadãos brasileiros retirados de um país tropical para ficarem cobertos de neve, buscando minas instaladas por alemães que tentavam dominar a Europa.
Ao longo do filme fica claro o que deveria ser evidente para todos: não é necessário detestar uma pessoa desconhecida simplesmente porque o governante do seu país determinou isso. Fica implícito que este é mais um ponto que fica ainda mais forte para os brasileiros.
Não podemos esquecer que Getúlio Vargas, presidente da época, chegou a negociar apoio aos nazistas, sendo que a definição sobre quem os brasileiros deveriam encarar como malvados foi feita a partir da proposta econômica mais vantajosa, feita pelos Estados Unidos.
Outro personagem muito simbólico do filme é o jornalista Rui (Ivo Canelas). Desde a Segunda Guerra a imprensa vem demonstrando papel cada vez mais relevante ao expor ao mundo os horrores dos combates. Na Primeira Guerra, com muito menos tecnologia, até mesmo os civis dos países que abrigavam os combates viam a batalha como necessária e não tinham acesso ao real conteúdo do front.
Com o desenvolvimento de equipamentos mais leves e precisos, imagens explícitas da guerra e suas vítimas passaram a circular com maior facilidade, chocando a população e causando o que parece ser o único incômodo de alguns governantes: a queda de popularidade.
Setenta anos depois do fim da Segunda Guerra os temas apresentados em A Estrada 47 abrem espaço para debate sobre temas atuais. A relação entre governos, a forma de atuação da imprensa, manipulação de informações que instigam o apoio e o ódio da população, etc. Nem sempre são questões que levam à guerra, mas não é necessário chegar a esse extremo para que a falta de clareza em relação à política seja extremamente prejudicial.
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