terça-feira, 20 de março de 2012

Raul - o início, o fim e o meio

Quem não tem colírio usa óculos escuros
Quem não tem filé come pão e osso duro
Quem não tem visão bate a cara contra o muro


O filme do diretor Walter Carvalho acompanha a vida de Raul Santos Seixas do início ao fim. O material filmado para a produção foi extenso e diversificado, além disso, a própria vida de Raul Seixas foi cheia de altos e baixos, com fases distintas e divergências que fizeram da metamorfose ambulante um dos artistas mais consagrados do Brasil. Mesmo com essa diversidade o resultado final é um ótimo documentário, que mostra vários depoimentos sobre cada tema, deixando que a conclusão seja tirada por cada fã.

Foi ainda na infância que Raul começou a ter contato com o rock, estilo que também vivia sua infância, dando os primeiros passos desajeitados com Elvis Presley. Entre o mar de fãs de Elvis estava o menino baiano, que desde cedo mostrava divergências com os padrões sociais, enfrentando a família não como desrespeito, mas para traçar o próprio destino, como descreveria anos depois na canção ‘Sapato 36’. A descoberta e paixão pela música acabaram canalizando a criatividade do garoto que poderia não saber muito bem para onde estava indo, mas sabia que estava em seu caminho.

O novo estilo musical chegava timidamente ao país. Ainda desconhecido e primando sempre pela liberdade, contestação e questionamento, o rock se encaixou perfeitamente à personalidade intempestiva de Raul, que desde sua primeira banda, Raulzito e os Panteras, contribuiu decisivamente para o desenvolvimento de um rock brasileiro, misturando elementos nacionais como o baião, a MPB, o acordeom, mas sem perder as influências internacionais. Essa síntese fica clara em “Let me sing, let me sing”, na qual o músico mostra muito bem seu estilo despojado, com personalidade forte, que conseguiu encaixar ritmos nordestinos em meio a muito rock, blues e country.

A genialidade de Raul não costumava andar só. Ao longo da vida o artista contou com vários parceiros para letras e melodias, muitos deles aparecem no filme com depoimentos emocionantes e divertidos. Tendo uma vida marcada por fases tão diferentes, é natural que algumas entrevistas se mostrem contraditórias entre si, mas um ponto alto do filme é manter exatamente uma característica muito presente na vida e obra de Raul, ou seja, a fuga do maniqueísmo para mostrar que o mundo é mais complexo do que a divisão entre certo e errado pode sugerir.

As parcerias não renderam apenas músicas. Com os grandes amigos que fez durante a vida, Raul desenvolveu suas ideias sobre temas recorrentes em suas canções. Religião, drogas, amor, política, etc. Cada um desses temas poderia render um documentário à parte, já que as letras não costumavam ser diretas e claras.

Repletas de metáforas e com assuntos complexos – ainda que abordados propositalmente de forma simples – algumas músicas de Raul, sobretudo as que foram compostas em sua fase mais mística, possuem diversas interpretações que muitas vezes chegam a conclusões contrárias. Gerar polêmica era a provável intenção do músico; se equivocam aqueles que pensam compreender definitivamente uma das obras daquele que já dizia ter passado por todas as religiões, filosofias, políticas e lutas. Que aos onze anos já desconfiava da verdade absoluta.

Com o auge de sua carreira no auge da ditadura militar, Raul driblou várias vezes a censura, mostrando de forma direta e discreta o ouro de tolo que era o crescimento econômico do período. Não deixou de engrossar o número de exilados da época, fazendo do período que passou nos Estados Unidos uma grande aprendizagem. Ainda que a carreira internacional que tanto almejava não tenha decolado, o artista deixou algumas de suas marcas no país, como suas músicas e familiares.

As entrevistas com as companheiras que Raul Seixas teve ao longo da vida permeiam o documentário com depoimentos que revelam um lado muito terno. Não dá para pensar em uma família nuclear e tradicional por parte de quem cantou o amor em sua forma mais livre, que se por um lado pode machucar – característica inerente a este sentimento – por outro também liberta e agrega a cada indivíduo que o experimenta. Raul sabia muito bem que um amor a dois profana o amor de todos os mortais, sendo este mais um aspecto vivido intensamente pelo músico, até o fim de sua vida.

Com muita competência a vida de Raul Seixas foi condensada nessas duas horas de documentário, que servem tanto de memória aos que presenciaram a carreira do artista, quanto de apresentação deste que é um dos maiores nomes da música nacional. Sua vida pode ter sido curta, mas de intensidade infinita, guiada na palma de sua mão. Raul Seixas morreu dormindo tranquilamente, deixando uma legião de fãs e um legado para o rock nacional. Não importa quem esteja no palco, alguém na plateia sempre gritará: TOCA RAUL!




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