terça-feira, 21 de maio de 2013

O Abismo Prateado


Quando você me quiser rever 
Já vai me encontrar refeita, pode crer
Olhos nos olhos, quero ver o que você faz
Ao sentir que sem você eu passo bem demais

O diretor Karim Aïnouz se inspirou na canção “Olhos nos olhos”, de Chico Buarque, para mais um filme intimista e poético. Focado na interpretação de Alessandra Negrini para a protagonista Violeta, muitas vezes os personagens interagem utilizando várias formas de expressão, como olhares, gestos, expressões faciais, etc. relegando às palavras a função de preencher o que não pode ser dito de outra forma.

Seguindo a narrativa da canção, no filme vemos a atitude bastante covarde de Djalma (Otto Jr.), que para terminar o casamento com Violeta deixa apenas um recado no celular, deixando a casa, esposa e filho. Ninguém quer um casamento que caia na rotina, sem surpresas ou novidades, ao mesmo tempo em que ninguém quer esta rotina quebrada por um tsunami repentino e devastador.

Relacionamentos não são sentenças imutáveis. Foi, sem deixar saudades, o tempo que o divórcio era proibido por lei. Entretanto usar a desculpa de que é melhor sumir do que resolver as pendências em uma conversa adulta geralmente camufla as próprias inseguranças. Afirmamos que sumimos pensando em aliviar a dor do outro para não encararmos que em pouco tempo seremos apenas um passado superado.

Com esse plano de fundo, seguindo o ritmo da música, Violeta a princípio se vê perdida, sem referências, tentando se segurar em um passado que já não existe e forçar um futuro em conjunto com quem já não compartilhava as mesmas ambições. Em meio a esse período de transição inevitavelmente variável, cuja duração depende muito de cada pessoa, a protagonista tenta se livrar da angústia de várias formas.

Sair de casa (cada detalhe lembraria o, agora, ex-marido), tentar pegar um avião para um último encontro (doce ilusão que isso resolveria as coisas), ir para uma boate para beber e dançar (quem sabe um pouco de álcool e um pouco de endorfina não alivie o peso). Até que, já perto do amanhecer, Violeta chega à orla de Copacabana.

Não faz muito tempo tive a sorte de passar uma noite vagando pela charmosa zona sul carioca, vendo os primeiros raios de sol na princesinha do mar. Uma experiência quase mística, que dá uma sensação de alívio e renovação, como se a brisa que vem do mar trazendo o som calmo das ondas nos mostrasse um refúgio, um lugar tranquilo, a partir do qual pudéssemos recomeçar o que quer que seja.

É através da protagonista que o diretor lança um olhar de poeta sobre os fatos cotidianos, do início de tarde fatídico em que o recado no celular é ouvido, até o amanhecer do dia seguinte. Olhando com atenção para tudo que está em seu redor Violeta processa as informações e trabalha tudo dentro de seu novo cotidiano, utilizando o difícil e doloroso momento pelo qual está passando para poder traduzir toda a angústia em aprendizagem.

Não é um filme melodramático, que apela para o choro do espectador pelo sofrimento exagerado da heroína. A piedade é substituída pela força de passar por um período crítico, com a capacidade que todos têm – mas nem todos utilizam – de superar o que parecia o fim. No aparente abismo Violeta enxerga a luz através de pequenos detalhes que juntos formam seu novo cotidiano, sua nova forma de olhar para o mundo, que como já cantava Chico Buarque, pode se mostrar melhor que antes.

Uma das metáforas para a nova realidade da protagonista é exposta através do encontro com a pequena Gabriela Pereira e com Nassir (Thiago Martins). A dupla pode ser interpretada como o contato com uma realidade mais difícil, sobretudo quando comparada à vida da dentista, que mora na zona sul do Rio e apenas passa por uma separação, mas aqui também o ritmo do filme foge do óbvio e aprofunda a relação entre as partes.

Há uma troca de experiência entre os personagens que é benéfica para todos. Cada um com seus traumas e dificuldades, mostrando ao outro alternativas para a vida, sem a benevolência piegas de quem quer mostrar a emoção de forma vazia. Não fosse desta forma, estria justificada a atitude patética do ex-marido, de terminar tudo com uma fuga. Há formas mais interessantes de transformar o passado em lembranças que podem até ser boas, mas, além disso, constituem nosso presente – podendo nos tornar pessoas melhores se bem trabalhadas.



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