terça-feira, 19 de junho de 2012

Hasta la Vista - venha como você é (Come as you are)


Através do longa de Geoffrey Enthoven somos levados em uma viagem muito especial, da Bélgica à Espanha, na companhia de três jovens. Em essência uma história bastante comum, ou seja, amigos que acabaram de sair da adolescência e usam como pretexto aos pais conhecer vinícolas espanholas, para na verdade visitar um bordel em Punta Del Mar.

A particularidade é que a ideia partiu de Philip (Robrecht Vanden Thoren, em atuação brilhante) que é tetraplégico, portanto precisa de ajuda para praticamente tudo o que faz. Uma das inspirações para a viagem é seu amigo Lars (Gilles De Schrijver), paraplégico devido a uma grave doença que pode tirar sua vida a qualquer momento, de forma que Philip quer garantir um pouco de diversão. Fechando o trio temos Jozef (Tom Audenaert, garantindo as cenas mais engraçadas) que é cego e gosta da ideia de conhecer ‘El Cielo’, um prostíbulo adaptado para portadores de necessidade especiais. É com o objetivo real de perder a virgindade que os amigos driblam resistências e dificuldades rumo à Espanha.

Entre as inúmeras formas possíveis para trabalhar este argumento, vemos uma opção interessante do filme, mostrando que uma viagem assim é possível e bastante viável, já que é passível de problemas como para qualquer viajante disposto a por os pés na estrada. O roteiro poderia ter sido todo escrito em tom de denúncia, mostrando o quanto as cidades são despreparadas para as necessidades dos portadores de determinada deficiência, porém no filme essa denúncia permeia as situações vividas pelos três amigos de forma bastante cômica, fazendo com que a crítica seja exposta de forma positiva, mostrando que a viagem da qual muitos duvidavam é possível.

Para ajudar na viagem eles são auxiliados por Claude (Isabelle De Hertogh), enfermeira que, com uma van adaptada, transporta os amigos e cuida da estadia. Alguns problemas pessoais da enfermeira – revelados durante o filme – e seu estereótipo alvo de brincadeiras de Philip e Lars fazem com que ela, mesmo distante da realidade dos amigos, fique talvez mais próxima de um sentimento de distanciamento da sociedade. Em pouco tempo os quatro viajantes já demonstram união e a profissional contratada para acompanhar parece mais uma amiga, sobretudo após apresentar aos amigos seu ‘hotel 1000 estrelas’.

Hasta La Vista evidencia que várias características daqueles que portam necessidades especiais não devem ser vistas com um olhar de compaixão ou algo do tipo. A deficiência física não os faz menos humanos, logo não deixam de ter os mesmos sentimentos, virtudes e falhas que qualquer pessoa. Não é necessário mais do que um pouco de bom senso para notar que Philip algumas vezes tem um comportamento questionável, principalmente em relação a Claude, porém nesse aspecto sua deficiência pode ser abstraída para notarmos que qualquer pessoa possui temperamento instável e que nem sempre a razão prevalece sobre as ações. Ao julgarmos equivocadamente como ingratidão uma atitude de quem não quer ser ajudado, fechamos os olhos para nossa própria ingratidão, muito menos justificável, ou ainda para o simples desejo que todos temos (com ou sem necessidades especiais) de um momento de privacidade, autossuficiência e afirmação pessoal.

A presença dos familiares, sobretudo de Philip, que requer maior auxílio, e de Lars, que tem a saúde mais frágil, é pequena e presente somente para dar fluência no enredo e indicar a necessidade de discernimento entre o que é realmente necessário em termos de atenção e o que extrapola esse limite, resultando em uma destruição desnecessária dos sonhos. Mais uma vez é factível a relação dos três jovens com outros quaisquer, sem limitações de movimento ou de visão, afinal, com cerca de vinte anos, qualquer jovem é seduzido pela ideia de uma viagem escondida, com fins distintos do que foi dito aos pais. A preocupação da família é compreensível, mas a intervenção desta deve sempre ser limitada para não limitar.

A comédia sutil e a crítica contida na aventura dos três amigos formam um filme que emociona e inspira, podendo ir além do senso comum baseado no engodo de que há ‘problemas maiores que os nossos’. Fica nas entrelinhas que todos passam por grandes dificuldades em determinadas situações, o que tem duas implicações: a primeira é que isso não é motivo para fugir da vida; a segunda (e mais importante) é que ninguém, nem mesmo os pais, têm o direito de coibir os sonhos sob o argumento proteger os sonhadores.


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