terça-feira, 18 de outubro de 2011

Habanastation

O longa do diretor cubano Ian Padrón é um registro interessante de alguns aspectos da sociedade da ilha. Diante de tantas opiniões tão seguras quanto infundadas sobre um país que poucos conhecem, tanto defendendo fervorosamente quanto rechaçando qualquer qualidade que possa existir, o cinema é historicamente uma ferramenta que pode nos dar uma noção sobre países desconhecidos. O que vemos através de Habanastation é algo aparentemente evidente, mas ao falarmos da lendária Cuba nada chega a ser exatamente óbvio.

A base do enredo é a desigualdade social, pois sim, ela existe em Cuba, entre o jovem Carlos (Andy Fornaris), que vive em um bairro pobre da Havana velha, e Mayito (Ernesto Escalona), cujo pai é músico e por isso viaja o mundo, traz presentes para o filho e mantém a família em um bairro rico. O título Habanastation é um trocadilho com o videogame Playstation, que Mayito ganha do pai.

No simbólico primeiro de maio, em meio à grande comemoração na Praça da Revolução, trabalhadores e estudantes celebram a data e Mayito se perde da excursão de sua escola, indo acidentalmente até o bairro pobre de Carlos. A partir daí vemos uma sequência bem humorada de uma história cubana, mas que em sua essência poderia acontecer em qualquer outro país. Com o humor característico notado em vários filmes cubanos, Habanastation é permeado por críticas sociais e metáforas que geralmente são utilizadas tanto para apoiar quanto para criticar o regime de governo, variando conforme a opinião política de quem assiste.

Se por um lado é notável a diferença entre os padrões de vida dos dois jovens – discrepância presente em qualquer país latino, porém em destaque aqui por se tratar de Cuba – por outro vemos que os dois estudam na mesma escola, ou seja, contam com a mesma formação e não há privilégios estruturais para um deles apenas por conta da família rica. Ainda que seja pouco para obter maior igualdade social, a formação igualitária é um primeiro passo indispensável, que o Brasil está longe de dar. Digo que é pouco, pois as condições de vida além da escola também pesam, por exemplo, no filme Mayito tem as aulas como única preocupação, enquanto Carlos foi forçado a ter uma vida adulta e cercada de responsabilidades logo cedo, pois a mãe morreu quando ainda era muito pequeno e o pai está preso. Nessas condições, apenas frequentar a mesma escola é pouco para garantir igualdade de oportunidades.

Outro aspecto que chama a atenção – este talvez mais próximo do cinema brasileiro – é a diferença de valores perceptível entre Carlos e Mayito. A juventude cercada de bens materiais não garante ao garoto rico detalhes extremamente relevantes como brincadeiras com os amigos e o valor dado à importância de bons relacionamentos entre as pessoas. O abismo retratado entre os dois personagens não possui grande diferenças das obras de outros países que abordam o tema, afinal em um mundo globalizado, onde impera um padrão de sociedade, é de se esperar pouca variação na forma geral de tratamento entre as classes.

O que enriquece o discurso em Habanastation é a metáfora que cerca o tema, relacionando o conflito com o futuro da ilha. Mais de cinquenta anos depois da revolução que implementou o atual regime, Cuba vive uma transição que extrapola a família Castro, já que a geração dos guerrilheiros da década de 60 em breve dará lugar para jovens que não viveram sob outra forma de governo e, salvo a educação que recebem nas escolas, terão que fazer escolhas sem muitas referências de política externa. A dúvida é se optam por um caminho mais próximo ao estilo de vida de Mayito, materialmente muito sedutor, ainda que para poucos, ou se resgatam os princípios da revolução, que os levaram a superar muitas dificuldades para obter grandes conquistas.

Grande sucesso em seu país de origem o filme instiga debates, sobretudo na sociedade cubana, não apenas por ser o alvo do diretor, mas também pelo hábito cultivado há décadas de opinar sobre assuntos gerais e buscar através da troca de ideias as melhores alternativas. Fora da ilha as opiniões controversas a respeito de sua forma de governo continuarão por um bom tempo, mas obras com conteúdo tão rico quanto Habanastation lançam um pouco de luz sobre as críticas, tanto negativas quanto positivas, para que estas se tornem mais bem fundadas.


Está completo, mas sem legenda.

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