Esta comédia utiliza caricaturas e estereótipos para expor críticas à postura da igreja católica diante de mudanças sociais. Com tantas tentativas de intervenção nos direitos civis por parte da igreja, o diretor Vinko Bresan nos apresenta a partir de um pequeno fato uma teia shakespeariana de problemas, mostrando que a realidade está distante de qualquer controle.
Mais do que um entretenimento, a obra nos proporciona uma oportunidade de reflexão, que não deveria ser contestada por religiosos, mas que o histórico de intolerância indica ser uma oportunidade desperdiçada pelos mesmos.
O ponto de partida é o jovem padre de uma pequena ilha, Fabian (Kresimir Mikic), que alertado por Petar (Niksa Butijer), um comerciante local, que a baixa natalidade da ilha estaria relacionada à venda de preservativos, toma uma atitude extrema: furar as camisinhas antes da venda, para que a concepção ocorra, na versão do padre, segundo a vontade de Deus.
Seguindo os dogmas da igreja, Fabian não estaria totalmente errado, já que o método anticoncepcional é condenado. O problema, não restrito ao filme, é a imposição de um dogma por parte da igreja, ainda que no filme isso seja exibido de forma metafórica.
Os princípios das grandes religiões que dominam o mundo foram formulados há séculos ou até milênios atrás, quando a sociedade era radicalmente diferente de hoje. Imaginar que seja possível seguir a risca os ensinamentos bíblicos – para ficarmos restritos ao catolicismo do filme – implica em alguns problemas.
Uma questão de escala: a população há mais de dois mil anos era muito menor que a de hoje, índice de mortalidade maior e o planejamento de vida era indiscutivelmente mais simples. Ainda que na Europa muitos países tentem combater a baixa natalidade atual, o mundo hoje demanda planejamento familiar e não ter filhos é uma alternativa com impacto muito menor em relação ao papel do indivíduo na sociedade.
Outro ponto fundamental em imposição de fundamentos religiosos é o fato de a Bíblia conter inúmeras metáforas, portanto sujeitas às mais diversas interpretações, de acordo com a conveniência daqueles que a leem. Não bastasse isso, o livro sagrado foi escrito em uma língua arcaica, traduzido para o latim, grego antigo e algumas outras fases até chegar às versões atuais. Se uma obra contemporânea, escrita no universal inglês, tem problemas de tradução, o que dizer de um livro tão antigo, nas condições citadas?
E, entre tantos outros fatores que poderiam ser considerados, chama a atenção para a tolerância à diversidade. Em dois mil anos de cristianismo, é de se esperar que as pessoas tenham autonomia para decidir o que devem ou não fazer, isso se aplica tanto aos católicos, curiosamente tolerantes a certas proibições bíblicas como o sexo antes do casamento, quanto aos adeptos de outra ou nenhuma crença.
Assim como no filme, ninguém quer impor o uso de preservativo àqueles contrários ao anticoncepcional, e o mesmo se aplica às outras questões polêmicas em que a igreja interfere diretamente na vida de cidadãos que por vezes sequer querem seguir seus dogmas.
Ao ignorar o livre arbítrio e insistir em impor um comportamento a igreja, que é bem diferente da religião, acaba descobrindo o que se recusava a admitir, ou seja, a proibição do preservativo se desdobra em problemas muito maiores do que a gravidez quando aparecem as relações extraconjugais, sexo casual e tantas outras coisas que a igreja proíbe, mas os fiéis não.
De forma bem realista, a hipocrisia de alguns membros da igreja também marca presença no filme. A ideia do ‘faça o que eu digo, não o que eu faço’ é praticada pelo alto clero desde tempos remotos, seja na pregação da humildade em meio a um altar luxuoso, seja no moralismo sexual em meio a escândalos que vão de relações sexuais consentidas à pedofilia.
É evidente que as discussões em relação às religiões e suas posturas são antigas e inesgotáveis, porém é interessante notar, em meio ao ritmo suave e bem humorado do filme, que o papel da igreja na sociedade é outro. O controle sobre a esfera privada deixou de fazer sentido, se é que um dia o fez, e atualmente a igreja pode realizar ações muito mais coerentes com seus dogmas se assumir as mudanças sociais que aconteceram ao longo dos séculos.
Até mesmo ter a humildade de admitir os próprios erros é uma virtude pregada pela igreja, mas distante da realidade dos clérigos. Assim como o padre Fabian, a instituição prefere esconder um erro com outro, juntando remendos que cedo ou tarde se tornam insustentáveis. Se uma das premissas religiosas é proporcionar conforto aos fiéis, cabe lembrar que a vida já é difícil o bastante sem o cabresto moral da igreja.
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