terça-feira, 9 de agosto de 2016

O valor de um homem (La loi du marché)

O título original do filme teria como tradução “A lei do mercado”. São enfoques opostos, já que o valor do protagonista Thierry (Vincent Lindon) é bem diferente das leis do mercado de trabalho, de onde ele está distante há quase dois anos, com uma condição financeira cada vez mais precária.

Provavelmente a intenção do diretor Stéphane Brizé foi ressaltar o quanto o mercado pode ser perverso, sobretudo em tempos de crise, quando a falta de vagas de emprego e o grande contingente de desempregados torna-se uma ótima oportunidade para os donos de empresa renovarem sua folha de pagamento, reduzindo os custos de produção e extraindo o máximo das forças de trabalho daqueles que não podem perder a fonte de renda, ainda que esta seja baixa.

Thierry não é um adolescente recém-chegado ao mercado, mas um homem de 51 anos, com esposa e um filho com necessidades especiais. Se por um lado isso proporciona experiência e responsabilidade, por outro cria a necessidade de remuneração mais alta – exatamente o que as empresas querem evitar.

Do ponto de vista do ‘mercado’, essa entidade tão abstrata e tão onipresente, a capacidade de capitalizar cada detalhe da sociedade inclui também as crises econômicas e o desemprego. Não por acaso a renda mundial está cada vez mais concentrada, chegando a igualar a riqueza do 1% mais rico aos outros 99% restantes.

Durante as crises cíclicas que regem a economia, quem tem capital para investir sabe muito bem que proporcionar formação profissional para que os desempregados voltem a trabalhar pode ser muito lucrativo.

Vemos que Thierry, e tantos em situação semelhante, chegam ao ponto de investir o pouco que lhe resta na tentativa de voltar ao mercado e retomar sua fonte de renda. Para isso é sensato pensar em um curso de aprimoramento profissional. É depois de gastar uma quantidade considerável de dinheiro que os desempregados se dão conta de que fazer o curso não garante uma vaga, até porque quanto maior o desemprego, maior a quantidade de profissionais que fazem o mesmo curso, dispostos a trabalhar por um salário ínfimo, que é melhor do que nada.

Outra especialidade do mercado de trabalho é desarticular a organização de trabalhadores, colocando uns contra os outros desde antes da contratação. Talvez mais insano que as entrevistas de emprego, com suas dinâmicas de grupo que beiram uma comédia de mau gosto, são as preparações para tais entrevistas. É como um roteiro mal escrito, com perguntas sem sentido, que visam selecionar um perfil profissional que abdique de valores pessoais – daí o título original – em prol da manutenção de um mercado predatório.

Depois de muitas dificuldades, Thierry finalmente consegue o tão sonhado novo emprego. Segurança em um supermercado. Bem provável que o local tenha sido uma escolha simbólica e sensata do diretor; no supermercado imperam as tais leis do mercado de forma suprema.

No país do filósofo Michael Foucault, Thierry trabalha com a aplicação prática do panoptismo – conceito desenvolvido pelo filósofo. O local é monitorado por dezenas de câmeras, porém estas são controladas por apenas um funcionário, ou seja, não existe nenhuma garantia de que clientes e funcionários são observados no exato momento de um eventual delito, mas sempre existe essa possibilidade.

Pela lei do mercado as peças haviam se encaixado. Um desempregado havia conseguido um emprego, recebia pouco mas melhor que nada, exercia a função de delatar quem quer que cometesse algum delito e independente de cliente ou funcionário, alguma punição teria que ser aplicada, não importa qual o motivo ou a situação pela qual a pessoa estivesse passando na hora em que quebrou a regra.

Muita gente cai na tentação do imediatismo, buscando conforto na ideia de que basta não fazer nada de errado, ou ainda em uma comparação simplista com as atitudes de Thierry durante o desemprego, ou seja, se ele passou por dificuldades sem apelar para os delitos, não há porque ser complacente com desconhecidos que não tenham a mesma conduta.

Esse conformismo com a estrutura predatória de mercado, que coloca trabalhadores uns contra os outros, é benéfica para os proprietários de empresas, contribuindo diretamente para a concentração de renda insana e crescente em nossa sociedade.

Sobretudo em uma situação de crise econômica, impor uma competição para aqueles que passam por dificuldades financeiras para com isso concentrar a renda nas mãos de quem não passa por nenhum tipo de necessidade bate de frente com o valor de um homem, desde que este tenha um olhar minimamente crítico para o que acontece ao seu redor.


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