terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Só dez por cento é mentira

Este é um documentário do diretor Pedro Cezar em homenagem ao poeta Manoel de Barros. O cineasta tem o mérito de ter conseguido filmar a entrevista com o poeta, que tem aversão a qualquer registro que não seja escrito, pois diferencia o próprio ser em biológico e poeta, sendo que o que importa no poeta é o que escreve. E o mérito do cineasta não para por aqui.

O filme não se restringe a expor a obra do poeta e as entrevistas, mas transpõe a essência de seu trabalho para a linguagem cinematográfica. Com uma fotografia impecável – fortemente influenciada pelas ideias de Barros – Pedro Cezar traduz em imagens, de forma muito competente, os versos que expressam a realidade inventada pelo poeta.

A obra foi chamada de “desbiografia”, um termo do chamado “manuelez”, a linguagem bastante peculiar do poeta, que por vezes cria termos que ampliam o mundo. Os versos simples, sem métrica ou rima – que deixariam a obra muito racional, ao contrário da intenção de seu autor –, condensam imenso conteúdo que não tem base na realidade, mas na imaginação. É citado o exemplo do Pantanal que Manoel de Barros conhece tão bem, mas que em seus poemas ganham uma perspectiva diferente do real, já que a intenção não é descrever, mas ampliar a realidade.

Vivendo no ócio conspícuo vemos um poeta em tempo integral, que diz não saber fazer mais nada além de compor em seu “cantinho de ser inútil”. A atividade rompe com a correria do mundo moderno, para escrever o material utilizado continua sendo os caderninhos feitos a mão e os lápis. Em sua obra não há razão, tão pouco ciência. A ideia é retratar o mundo com suas lembranças da infância através da poesia, que ironiza dizendo ser inútil e obra de vagabundo, mas sem o sentido pejorativo do termo. O poeta faz uma analogia com o personagem Carlitos, o vagabundo tão simpático que também em meio ao ócio traz diversão e sonhos para quem o assiste, mantendo-se atual como os livros de Barros, ainda entre os poetas mais lidos do país.

Outro ponto alto do longa é mostrar como a poesia do autor influenciou outras formas de arte. Além da influência no cinema, notada no próprio documentário, vemos o artista plástico criando esculturas que dão nova função e imagem aos objetos que iriam para o lixo; o inventor que constroi brinquedos para dar forma às ideias do poeta – como a máquina para esticar o horizonte –; a filha de Manuel de Barros que faz ilustrações sem o intuito de relacioná-las com os poemas, mas com os quais o próprio poeta faz a associação; e outras formas de expressar a essência do trabalho do homem que amplia a realidade. Sua influência faz com que esta ampliação seja feita não apenas em versos e leva suas características de imaginação, que transformam um rio em uma cobra de vidro, de sinestesia, que dão sabor às cores ou cheiro aos sons e de invenção, que é diferente da mentira, para outras áreas que podem contribuir para deixar o mundo ainda maior.

O documentário mostra o mundo de sonhos contido na obra de Manoel de Barros, cuja base talvez seja compreendida por poucos nos dias atuais, com o mundo preso à práxis do capitalismo, para o qual toda produção precisa ter um fim prático e lucrativo.


Noventa por cento do que escrevo é invenção.
Só dez por cento é mentira.
(Manoel de Barros)


4 comentários:

Kiti disse...

Muito bacana seu artigo! =)
E obrigada por divulgar o link lá na comunidade...

Télia Resende disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Télia Resende disse...

E se o título do filme estiver dentro dos 10%, e for mentira?
E já que 10% é mentira e 90% é invenção, esta afirmação em si está enquadrada como mentira ou como invenção? E se, ao invés, na verdade for tudo verdade, e não mentira? Oo

filipe disse...

pessoal eu jah vi esse documntario é brilhante!!!olha s puderem dêm uma olhad em meu blog: http://tudoaomesmotempoagora-filipe.blogspot.com/

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