Condensar uma biografia na duração de um filme não é tarefa fácil, sobretudo quando o biografado foi uma pessoa influente e sua história se confunde com vários aspectos do país, como é o caso de Assis Chateaubriand, interpretado por Marco Ricca.
Baseado na biografia esmiuçada de Fernando Morais, o diretor Guilherme Fontes optou por dar ênfase na relação dos canais de comunicação de Chateaubriand com o presidente Getúlio Vargas, utilizando recursos lúdicos para guiar as inúmeras faces do protagonista, como o julgamento fictício que traz como argumentos de acusação e defesa os fatos vividos pelo protagonista.
Além das inúmeras dificuldades que envolvem a produção de um filme, Chatô contou ainda com problemas judiciais e processos que atrasaram bastante a produção. Tudo isso acabou fazendo com que o lançamento do filme coincidisse com um momento extremamente tenso da política nacional, que nos remete aos entraves vividos na era Vargas.
Fica claro o quanto é antiga a relação promiscua entre imprensa e governante. Com personalidade bastante destoante dos círculos sociais que frequentava e tendo os bastidores retratados no filme, Chateaubriand não costumava usar eufemismos para exaltar o peso dos anunciantes não somente na economia do jornal, mas também no conteúdo e viés das matérias publicadas.
Igualmente tendencioso em relação à política, é notável que não haja decisão tomada em um grande veículo de comunicação que não seja amparada por uma intenção, cuja eventual nobreza não reflete nada além do interesse do proprietário do jornal. Qualquer candidato a cargo eletivo que negue ser político não faz mais do que ocultar dos eleitores as alianças firmadas por trás das manchetes de jornal. Isso já ficou claro em meados do século passado.
Mas Chateaubriand não se resumia a ligações espúrias com o governo. Amigo próximo dos artistas responsáveis pela semana de arte moderna, realizada em 1922, havia um lado inovador e revolucionário no magnata de aparências contraditórias e faro para os investimentos.
O problema é que suas contradições não se restringiam ao aspecto privado de sua vida. Os caprichos do magnata também atingiam em cheio a forma e o conteúdo de seu jornal. Neste os entraves com anunciantes tinham repercussão na esfera privada e qualquer irregularidade deveria ser investigada neste sentido. É na esfera pública que a arbitrariedade de parcerias atinge diretamente a população.
O direito à informação não pode ser refém de interesses do jornal, nem da amizade baseada na troca de favores entre governante e empresário do setor de comunicações. Atualmente os proprietários de grandes jornais do país – podem ser contatos com apenas uma das mãos – são mais discretos e cuidadosos para que os problemas pessoais não manchem a imagem empresarial.
Diante de tantos escândalos políticos seria difícil um fato inesperado vindo do Planalto, mas ainda assim a disputa pelo amor da primeira dama não é um fantasma que ameace a relação presidencial com a grande mídia. Atualmente a ligação é mais sólida e formal, com concessões muito bem selecionadas e diversos deputados vinculados diretamente a redes de rádio e tevê.
A estrutura frágil que unia mídia e governo nos tempos de Chateaubriand e Vargas foi muito bem lapidada por seus sucessores, de forma que questões pessoais sejam devidamente blindadas e os benefícios dessa relação de mutualismo político siga sendo vantajosa para as duas partes e um consequente entrave para a população, que segue com um viés tendencioso do que é noticiado.
Uma possível solução para ao menos reduzir o caráter tendencioso do que é ou não divulgado sobre políticos seria o já proposto controle social da mídia. A solução é convenientemente divulgada como censura por jornais tão isentos quanto Chateaubriand, interessados em manter a atual liberdade de concentrar o poder nas mãos de poucos, divulgando o que é interessante aos jornais e aos políticos que não ameaçarem o atual quarto poder formado pela mídia.
O que, não por acaso, é omitido pelos setores de comunicação é que a mídia é socialmente regulada nos principais países do mundo. Talvez a única grande democracia que permita grandes blocos formados por rádio, tevê, jornal e portais de internet unificados nas mãos de um único proprietário seja mesmo o Brasil. É possível que seja uma característica temporária, não pela dissolução dos monopólios midiáticos, mas pelo fim da democracia, que desde o impeachment apoiado e estimulado pela grande mídia, anda mesmo por um fio.
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