quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Biutiful


"Vida é o que acontece com você, quando você está ocupado fazendo outros planos."
(John Lennon)

Este é o primeiro filme de Alejandro González Iñárritu após o rompimento com o roteirista Guillermo Arriaga, o que gerou muitas expectativas sobre possíveis mudanças no estilo do diretor. Desta vez não há tramas paralelas que só se cruzam no final, mas a intensidade dos infortúnios na vida dos personagens continua presente, principalmente para o protagonista Uxbal (Javier Bardem).

O enredo se desenvolve em Barcelona, mas não na bela cidade que atrai tantos turistas e sim na periferia, relegada aos imigrantes clandestinos que sobrevivem através do comércio ilegal ou semi escravizados por algum empregador. Uma das atividades de Uxbal é agenciar esses imigrantes, servindo de intermediário entre eles e as autoridades ou empregadores locais; além disso, ele tem o dom de se comunicar com os mortos e isso se torna mais uma fonte de renda. Tanto os imigrantes ilegais quanto a capacidade mediúnica são temas polêmicos que poderiam ser mais explorados, porém Iñárritu trabalha com muitas tramas, de forma que não é possível aprofundá-las devidamente.

Ganhando pouco dinheiro com seus empregos informais, Uxbal se esforça para sustentar os dois filhos sozinho, já que a ex-esposa Marambra (Maricel Álvarez) sofre para superar a dependência química. Como para os personagens de Iñárritu a situação sempre pode piorar, o personagem descobre que está com câncer, e aqui é possível notar um dos papéis históricos do cinema, ou seja, chamar a atenção dos espectadores para problemas cotidianos, já que Uxbal só foi procurar um médico quando as dores se tornaram insuportáveis, portanto quando já era tarde demais.

O protagonista, apesar exercer atividades ilícitas, não chega a demonstrar crueldade, mas diante da iminência da morte passa a prestar mais atenção em detalhes de sua própria vida, deixando de lado o individualismo e se aproximando mais das pessoas próximas a ele. Lembrando de seu próprio passado, passou a ter medo de que os filhos, ainda pequenos, esquecessem dele depois de sua morte, abrindo espaço para uma constatação relativamente óbvia, porém geralmente despercebida: quem quer ser lembrado deve, como ponto de partida, dar motivos para que isso aconteça e, exceções a parte, as lembranças costumam fazer jus às atitudes tomadas. Este passou a ser o desafio implícito de Uxbal, pois de repente se deu conta de que tinha pouco tempo e muito trabalho para construir uma relação harmoniosa com os filhos.

Ao vermos os becos e apartamentos apertados da Barcelona retratada notamos que aqueles locais estão bem próximos de alguns dos pontos turísticos mais visitados do mundo, que esbanjam beleza ao lado da periferia que geralmente o mundo não vê. Essa é a imagem de Uxbal, que sintetiza atitudes repudiáveis seguidas de ações que visam uma espécie de redenção. É possível notar no comportamento do personagem, diante de tantas adversidades acontecendo ao mesmo tempo em sua vida, a heterogeneidade comum na vida de todos nós. Muito mais evidente – e cômodo – é criticar certas atitudes quando estamos sentados na cadeira do cinema; mais delicada é a situação hipotética de nos imaginarmos com a certeza de ter pouquíssimo tempo de vida. Algum detalhe do comportamento atual seria mantido? Qual a imagem que gostaríamos que ficasse marcada e como agiríamos para que isso se concretizasse?

Iñárritu deixa claro, e choca, ao mostrar como é difícil viver tudo o que deixamos pendente e pior ainda aproveitar intensamente os últimos momentos com os filhos sem se abater pela tristeza de saber que o fim está próximo. O que não fica claro é que o tempo é sempre curto e ainda que Uxbal – ou qualquer outro – tivesse a garantia de várias décadas a serem vividas, ao final sempre fica a sensação de falta, o desejo de mais alguns segundos ao menos para algumas palavras não ditas.

(depois da tensão de “Além da Vida” e “Biutiful”, o próximo deverá ser mais leve =)


2 comentários:

Cris disse...

Legal, Ale, mas a mulher dele luta contra a bipolaridade, que pode vir acompanhada de abuso de álcool, narcóticos e compulsões (alimentares, por sexo, por compras etc.). Os remédios que ela não toma e o comportamento agressivo e depressivo é causado pela bipolaridade, e ela não parece apresentar dependência química. Beijos!

Alexandre disse...

Haja problema para uma só mulher =)
Tive a impressão que cada personagem renderia um filme com a própria história. Isso é meio ruim, pq não dá para aprofundar muito os temas...

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