terça-feira, 11 de outubro de 2011

Medianeras

Conforme revelado no filme ‘medianeras’ são as paredes laterais de um edifício, aquelas enormes e sem janelas, por isso mesmo muito visadas para expor grandes anúncios. Dentro da proposta do filme, de abordar o cotidiano de uma grande cidade onde, apesar de cercados de gente, seus cidadãos vivem isolados entre si – condição bastante favorecida pela arquitetura desordenada, que quando pensada é para favorecer o individualismo, ao invés da integração – as medianeras formam um ótimo signo, sendo uma grande parede intransponível, que isola, separa, esconde e priva moradores de experiências que poderiam ser bastante ricas.

Apesar de toda a história acontecer em Buenos Aires, grandes cidades costumam ter algumas características semelhantes, sobretudo quando se desenvolvem de forma parecida, portando o enredo deixa qualquer morador de São Paulo bastante familiarizado. Para apresentar esse aspecto de Buenos Aires e como é a vida de seus moradores, o diretor Gustavo Taretto nos apresenta um recorte da vida de Martín (Javier Drolas) e Mariana (Pilar López de Ayala), vizinhos desconhecidos que seguem sempre por perto um do outro, com desejos parecidos, carências parecidas, porém sem cruzar seus caminhos.

As peculiaridades dos personagens, que deixam suas vidas muito engraçadas para quem assiste, não são exclusivas de uma cidade cosmopolita, mas são características cujo estilo de vida dos moradores das grandes cidades facilita. Martín pouco sai de casa, faz praticamente tudo pelo computador, além de ser fóbico e hipocondríaco. Mariana é vitrinista, exprime seus sentimentos tentando colocar um pouco de arte no dia-a-dia e, assim como Martín, sofre com a solidão após terminar um relacionamento.

É de se esperar que ambos devem se encontrar, mas mesmo com tantas opções de lazer, muitas vezes a disposição dos prédios e vários outros fatores de uma cidade não colaboram muito para facilitar o encontro de seus moradores. Martín comenta que Buenos Aires dá as costas para o rio. O que dizer de São Paulo, que dá seu esgoto para os rios, asfaltando suas margens ao invés de aproveitá-las para estimular o convívio dos moradores?

A história bem humorada e encantadora do casal que busca um ao outro, ainda que sem saber, não abandona a crítica a alguns aspectos arquitetônicos da cidade e mesmo ao comportamento de alguns de seus moradores, porém essa crítica não deve ser compreendida como sendo à cidade em si. A impressão que fica é a de que um crescimento planejado, ordenado e que favorecesse o convívio social, em detrimento do individualismo, somente facilitaria e deixaria mais prazerosa a vida de quem aprende a desfrutar de um grande centro urbano.

A prova de que a vida retratada não precisa ser necessariamente ruim ou mesmo difícil é o humor com que as situações do filme são retratadas e, principalmente, a beleza encontrada em meio aos infinitos prédios da capital argentina. Se por um lado a vida é corrida e grandes obstáculos – muitos graças à falta de planejamento urbano – devem ser enfrentados diariamente, por outro, é nessas cidades que a vida cultural explode e a diversidade de opções, em todos os sentidos, aflora em quantidade inimaginável para uma pequena cidade do interior – de qualquer país. Em meio a tudo isso fica muito mais fácil para uma personagem como Mariana encontrar um ‘Wally’.

Como a posição de vítimas da falta de planejamento não resolve muita coisa, tão pouco conforta quem se sente solitário em meio a multidão das cidades, cabe lembrar que tanto Martín quanto Mariana vivem com foco em um único e grande objetivo, uma busca retroalimentada pela angústia da solidão, que parece isolar os personagens de todo resto que os cercam (e que em uma cidade como Buenos Aires, não é pouca coisa). Grandes metas são válidas, podem ser bem trabalhadas, servir de inspiração, motivação, etc. Mas nunca devem ofuscar o encanto que o cotidiano da vida em um grande centro urbano pode propiciar. A vida nos cerca; podemos contemplá-la pela janela, ou sair para participar.


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