terça-feira, 18 de setembro de 2012

Intocáveis (Intouchables)


O filme dos diretores Eric Toledano e Olivier Nakache também chegou ao Brasil com o título de “Amigos improváveis”, talvez para diferenciar do homônimo policial, da década de 80. As semelhanças se atem ao título, pois o filme francês aborda a inusitada relação entre o milionário Philippe (François Cluzet), que por ter ficado tetraplégico precisa de um enfermeiro que o ajude em tempo integral, e o desempregado Driss (Omar Sy), imigrante senegalês que vive no subúrbio de Paris.

O tom de comédia e as situações inusitadas na qual vemos Philippe ajudam a explicar o fenômeno de bilheteria do filme, também tendem a nos empurrar para uma análise rasa, de um filme que mostra as possibilidades de diversão e felicidade, mesmo a uma pessoa com sérias limitações físicas. Mais interessante seria pensarmos um pouco além das evidências do filme e explorarmos as entrelinhas dos discursos utilizados.

A princípio os motivos que levaram à escolha de Driss são incertos. O rapaz não possuía nenhuma experiência para lidar com deficientes e geralmente sequer identificava as necessidades de Philippe, cometendo erros dos mais grosseiros aos mais sutis, compreensíveis dado que certas necessidades evidentes para que as sente são quase imperceptíveis para os que nunca se imaginaram atados a uma cadeira de rodas.

Vemos que o interesse de Philippe, que no início chega a parecer um desafio ou mesmo uma birra infantil de provar ao subordinado que este não é capaz de suportá-lo, está exatamente na normalidade com que é tratado por Driss. O desconhecido não o tratava como uma delicada taça de cristal, mas como uma pessoa que apesar de ter perdido os movimentos do corpo, não teve danos à personalidade ou ao intelecto. O filme chega até a flertar com o tema da vida sexual dos deficientes, explorado mais a fundo no filme belga “Hasta la vista”.

O desenrolar do contato desajeitado dos dois não gerou uma relação mais profissional, mas uma amizade surpreendente não somente pela condição física ou pelo despreparo para o emprego, mas pela situação histórica que esta relação evidencia. Não há muitos elementos sobre a vida dos personagens, mas a riqueza de Philippe, como a de tantos milionários franceses, pode ter vindo da exploração de colônias africanas como o Senegal, país de origem de Driss. Este chega à França com poucos recursos e enfrentando uma série de dificuldades, sobretudo o preconceito, para conseguir estabelecer uma condição de vida aceitável.

Certas atitudes do imigrante são tão questionáveis quanto a estrutura social que permite a Philippe enriquecer explorando – direta ou indiretamente ao longo da história – as colônias, para depois utilizar o trabalho pouco qualificado de um imigrante, tentando questionar seus méritos e sua capacidade. A relação entre as sociedades da França e Senegal é repetida incansáveis vezes há séculos. Um país explorado até os ossos, tendo sua população privada de direitos básicos, freando ou mesmo bloqueando o desenvolvimento e a emancipação de seus indivíduos, enquanto na ponta da pirâmide a colônia enriquece material e culturalmente para posteriormente insistir que a diferença entre os dois países está no nível do mérito, esforço ou capacidade.

Aos poucos vemos que o contato dos dois personagens não é bom apenas para Philippe, que para de ser tratado como uma bolha de sabão a ser preservada e passa a ser visto como um ser humano. Também não é bom apenas para Driss, que além do salário que lhe dá um pouco de conforto ainda passa a adquirir maior capital cultural e uma forte referência para a nova profissão.

Os benefícios deste tipo de contato são gerais, por reduzirem certos abismos sociais, não apenas na França ou na relação entre colônia e metrópole – termos que só deixaram de existir na teoria. O contato entre classes tem a capacidade de desfazer preconceitos, esclarecer dúvidas inconscientes e agregar elementos distintos em ambos os lados. Não é apenas Driss que aprende no novo mundo milionário que passa a frequentar, mas Philippe também passa a ter que engolir em seco certos equívocos que sempre encarou como naturais e foram desfeitos pelo novo amigo.

Com uma sociedade extremamente verticalizada, que teme a ascensão das classes economicamente mais baixas e cuja principal meta individual não é a redução do abismo social, mas o êxito pessoal baseado na melhoria da condição econômica, vemos que Intocáveis não diz respeito apenas à vida prazerosa que é possível para um tetraplégico (milionário), mas indica também os benefícios mútuos do contato em lugar da segregação, que rompe com a existência de verdadeiros bunkers, formados por condomínios de luxo, em meio ao mar de caos social gerado pela miséria necessária para a existência dos tais bunkers.

Ps. Tema parecido é abordado no curta nacional “O Xadrez das cores”, de Marco Schiavon, que pode ser conferido na íntegra em www.youtube.com/watch?v=NavkKM7w-cc


4 comentários:

André Alves disse...

parabéns pelo blog. Boas resenhas e seleção de filmes de muito bom gosto.
Também tenho um blog sobre cinema, se quiser, dê uma olhada lá
http://cinemaemidia.blogspot.com.br/

Alexandre disse...

Obrigado pela visita! Vou ver seu blog sim, quanto mais material de cinema alternativo, melhor!
Abraço!

Larissa Romão disse...

Adorei o filme. É sensível, engraçado... Interessante notar que a amizade entre Philippe e Driss também contribuiu para a superação de medos de ambos os lados. Enquanto Driss teve de enfrentar o medo de altura, Philippe encarou o medo do julgamento, da falta de aceitação.
Ótima crítica, parabéns!

Anônimo disse...

Que comentário ridículo e pretencíoso....
A relaçao que o filme mostra nada tem a ver com exploracao de colonias por metropoles!
Por favor, poupe-nos de seus comentarios mediocres seu maconheiro comunista.

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