Com base em um problema antigo, que só recentemente passou as ser divulgado com a devida atenção, embora ainda esteja longe de receber os cuidados necessários para que seja erradicado ou ao menos reduzido, o diretor Lee Hirsch apresenta seu documentário, fortemente ligado à exposição de casos reais.
Hirsch optou por inserir apenas algumas entrevistas para explicar e dar fluência às cenas gravadas em escolas, que flagram diversos tipos de agressões aos protagonistas. Assim o problema fica amplamente exposto, mas acaba sendo pouco conclusivo. Todas as interpretações ficam por conta daqueles que assistem ao filme, imersos em fortes emoções que o cinema tem a incrível capacidade de suscitar.
Ainda assim o conteúdo apresentado torna-se cada vez mais importante, sobretudo àqueles que, de uma forma ou de outra, tem algum contato com a realidade de preconceitos na infância, fase que deve ganhar mais atenção devido ao caráter fundamental na socialização dos indivíduos.
O bullying, no filme e fora dele, apresenta-se como um caldeirão de preconceitos, unindo o racismo, homofobia, machismo, xenofobia e tantas outras formas de humilhação, expressando-se muitas vezes em agressões físicas e gratuitas. Ainda que a vítima não tenha necessariamente a característica do preconceito em questão – não é necessário que seja de fato homossexual para ser alvo da homofobia, por exemplo – esse tipo de agressão é tão presente quanto negligenciada.
No filme a escola é o único ambiente retratado, embora não seja de fato o único local que a prática possa ser encontrada. Esse limite de espaço é pertinente. Todos os estudantes retratados são jovens, que devem lidar desde cedo com a hostilidade, mesmo sem a maturidade que poderia implicar em maior discernimento.
A referência que as crianças costumam buscar nos adultos diante de qualquer dificuldade nesta época da vida é absurdamente desfeita quando vemos os responsáveis pela escola eximindo-se de qualquer culpa e, pior, fazendo o possível para jogar a responsabilidade na vítima. Não chega a ser surpreendente que este fato se repita cotidianamente na vida adulta, pois podemos notar com frequência acusações de que uma mulher estuprada supostamente provocou seu estuprador, ou que um homossexual agredido agiu de forma a justificar a violência sofrida.
A naturalidade ao tentar culpar aquele que está na condição de vítima, assim como a forma com que o agredido encara a situação, forma-se desde os primeiros anos de infância. Para quem assiste o documentário pode parecer confuso que um garoto volte apanhando dentro do ônibus, sem nenhum motivo que pudesse ser usado como falsa justificativa, e diga que seus agressores eram seus amigos, porém a noção de amizade e até mesmo de agressão devem ser desenvolvidas socialmente, por meio de exemplos e contraexemplos.
Aos poucos fica claro que aquelas crianças, quando reagem ou quando toleram com naturalidade as agressões, agem por acreditar que é a maneira correta, e acreditam por assumir uma culpa que não lhes cabe, mas é apreendida aos poucos, iniciada pelos colegas e referendada pelos funcionários complacentes com a violência. Essa naturalização de atos inadmissíveis torna-se tão enraizada que passamos a encarar com indiferença quando uma vítima é culpada.
Seguindo a conclusão do documentário, o ápice dessas agressões são os casos de suicídio provocados pela humilhação aos jovens. Esses casos promovem as reações por parte de pais e amigos, talvez as únicas que se contrapõe à indiferença com que os profissionais da educação lidam com o problema ao longo do filme. Esta também é uma tendência social, ou seja, a valorização daquele que chama mais a atenção; o que explode, interna e externamente. Porém para cada suicida há uma série de vítimas caladas, que sucumbem de outras formas.
Assim como em uma sala de aula o estudante bagunceiro é taxado de problemático, enquanto o mais calado, com seus problemas internos passa despercebido, as consequências do bullying também podem se expressar de forma silenciosa, bem mais discreta que um suicídio.
Quando a socialização é comprometida desde suas primeiras lições, ainda na escola, dificilmente o indivíduo vai recuperar esse aprendizado em uma etapa muito posterior de sua vida. É claro que muitos superam seus traumas e seguem a vida normalmente, mas por certo muitos seguirão suas vidas cometendo uma espécie de suicídio social.
Se no filme o garoto não sabe sequer diferenciar amigos de agressores, o que esperar de seu discernimento quando chegar à vida adulta, tendo que se relacionar em um ambiente de trabalho ou em um namoro? A descriminação poderá mudar de forma, atuando de forma sutil, silenciosa, mas inevitavelmente preconceituosa e ignorante, agora em relação às atitudes que fogem do padrão, pela deficiência de socialização que atuou fortemente em uma etapa essencial.
Um comentário:
De um modo geral, o artigo propõe reflexões bem interessantes. Faço apenas uma ressalva: "Assim o problema fica amplamente exposto, mas acaba sendo pouco conclusivo. Todas as interpretações ficam por conta daqueles que assistem ao filme (...)". Parece um tanto subjetivo determinar o grau de "conclusividade" ou não do filme, se é que isso, nesses termos, deve ser uma preocupação de todo discurso narrativo... Sobre a interpretação estar a cargo do "leitor" do "texto", bem, isso é inevitável, para desespero dos kanteanos de plantão! No mais, parabéns pelo texto crítico.
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