terça-feira, 2 de abril de 2013

Uma história de amor e fúria


Meus heróis nunca viraram estátua, morreram lutando contra quem virou.


Essa animação, escrita e dirigida por Luiz Bolognesi, é uma produção nacional não somente por ter sido realizada em estúdios brasileiros, mas também por contar nossa história com base em uma crença indígena e passando por períodos da luta do povo brasileiro.

Os longas de animação vêm ganhando espaço nas telas, com produções cada vez mais elaboradas. Entretanto os filmes produzidos pelos grandes estúdios têm explorado à exaustão a comédia, com personagens caricatos e enredo geralmente semelhante. Aqui Bolognesi se aproxima mais das animações europeias, deixando de lado o simples humor para explorar um recurso mais rico das animações.

O personagem principal, com a voz de Selton Mello, nasce em meio às disputas entre tribos indígenas, uma marca entre os índios brasileiros, porém utilizadas pelos colonizadores para a dominação local. O herói, segundo a mitologia indígena, está predestinado a uma vida de luta contra o inimigo.

Ao longo da história do Brasil o protagonista aparece em quatro episódios, não busca a luta, mas sim sua amada Janaina (Camila Pitanga). Apesar disso vemos que o casal, no constante cabo de guerra entre opressores e oprimidos, está sempre do lado mais fraco.

Os episódios escolhidos para serem retratados no filme são, além da dominação inicial por parte dos portugueses, a revolta da balaiada, a ditadura militar e um futuro não muito distante, nem muito esperançoso, no qual a água potável é vendida a preço de ouro, devido à escassez.

Fica claro no filme, principalmente fazendo uma analogia com os dias atuais, que a história é realmente cíclica e muitos outros episódios poderiam ter sido escolhidos para representar a ideia de um povo oprimido que, diferente da imagem de pacífico que insistem em nos empurrar, sempre procura formas de combater e lutar por direitos tão básicos que quando apresentados no cinema ficam evidentes, mas na prática, talvez pelo hábito enraizado há séculos, frequentemente passam despercebidos.

Somos tão acostumados com a história contada pelos opressores que a animação acaba funcionando como documento de versões alternativas para fatos consagrados. Desde a própria crença indígena, desconhecida para a maioria dos brasileiros, até fatos históricos como a criação do exército brasileiro, tendo atuado pela primeira vez contra a própria população do país, somos apresentados a uma série de fatos que nos fazem pensar sobre a origem de nossa sociedade e, consequentemente, dos problemas sociais que enfrentamos.

Se pensarmos nas dificuldades, sobretudo econômicas, que o cinema nacional precisa enfrentar, que inevitavelmente estão presentes também para animações, é muito mais viável não tentar enfrentar as superproduções americanas de igual para igual, mas criar uma identidade própria para as animações nacionais, que possam servir de instrução, como o próprio cinema tradicional vem fazendo desde sua origem, e também atrativo pela forma lúdica quase inerente às animações.

A produção deste longa contou com certa tecnologia, mas a maior parte do trabalho foi feito mesmo com desenhos manuais. A técnica trabalhosa aprimora os profissionais envolvidos e leva às telas os quadrinhos, sempre populares entre os jovens. Contar histórias, fictícias ou não, é uma forma de transmissão de cultura e a associação de cinema e quadrinhos é extremamente benéfica para tornar a história (acadêmica) mais atrativa.

Não há como não se interessar pela luta do protagonista ao longo dos séculos, pelo romance que resiste aos percalços e as injustiças que permeiam a sociedade em tempos diversos. Para além da ficção, ter como a guia da história uma crença indígena resgata uma face oculta da história do Brasil, que começou bem antes da chegada dos portugueses.

Unindo algumas frases de efeito do filme, “viver sem conhecer o passado é andar no escuro” e o esclarecimento proporcionado ao notarmos a exploração cíclica de nossa história é uma arma poderosa, que não por acaso costuma ser coibida. Para o protagonista, “mesmo sem perceber, todo dia a gente está lutando por alguma coisa”. É estimulante ver que muitas vezes essa “alguma coisa” é histórica, e a luta não é solitária, traz consigo um acumulado de motivações.

Uma História de Amor e Fúria tem tudo para estimular novas animações nacionais, que supera a verba exorbitante dos grandes estúdios de animação com talento e conteúdo, lançando uma história que diverte, entretém, mas principalmente ensina!


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