quarta-feira, 2 de julho de 2014

Uma Noite (Una Noche)

O filme da diretora Lucy Mulloy é resultado de uma parceria inusitada entre Cuba e Estados Unidos. Na guerra ideológica que os dois países travam há décadas, o cinema sempre foi uma ferramenta importante para a defesa do ponto de vista de cada um. Rodado em Cuba, por uma diretora norte-americana, Uma Noite tem um viés crítico pouco explorado, voltado mais para a corroboração de estereótipos.

Por se tratar de uma ilha, a ligação de Cuba com outros países é facilmente controlada. Isso somado aos mais de cinquenta anos de embargo ajuda a distorcer tanto a visão que o mundo tem de Cuba, quanto a que os cubanos têm de outras culturas, sobretudo o vizinho inimigo.

Após um longo período de prosperidade econômica, graças aos laços políticos e econômicos com a União Soviética, Cuba teve que pagar o preço de não ter se industrializado. Atualmente, com a economia baseada no turismo, o país vive o dilema de manter os ideais da revolução – com o país voltado ao seu povo – valorizando os turistas que injetam dinheiro na economia.

Este cenário abre espaço para a história do protagonista Elio (Javier Nuñez Florian), que trabalha no restaurante do Hotel Nacional, ganha pouco e sonha com a hipótese de ir para Miami. O que poderia ser um devaneio adolescente ganha urgência quando seu amigo Raul (Dariel Arrechaga) agride um turista e coloca a fuga para os Estados Unidos como única saída para não ser preso.

O sonho de ambos é baseado na idealização do desconhecido. Economicamente Cuba enfrenta muitas dificuldades, assim como seus vizinhos caribenhos, com a peculiaridade de um estado forte, tentado alocar poucos recursos em áreas que tragam benefícios à população. O que seduz Elio e Raul é a riqueza material que Miami pode oferecer.

A única personagem que tenta, timidamente, trazer as esperanças para a realidade é Lila (Anailín de la Rúa de la Torre), irmã de Elio. Em uma fala pouco explorada, já que poderia ser mais bem desenvolvida mesmo sendo feita por uma adolescente, ela indica que a exploração do trabalho também ocorrerá em Miami, com o agravante de não ter certos benefícios existentes na ilha, como saúde gratuita.

Fica a cargo de quem assiste perceber que, da mesma forma que os adolescentes idealizam uma realidade ignorando o que não é conveniente aos sonhos, nós também somos guiados ao longo da maior parte do filme para um viés exagerado.

Sem cometer a inocência de achar que Cuba vive hoje da mesma forma que no ápice econômico da década de 80, não podemos esquecer que a comparação direta entre Cuba e Estados Unidos é completamente descabida. Muito mais plausível, apesar de incomum, seria uma comparação entre realidades e histórias semelhantes. Há cubanos dispostos a tentar cruzar noventa milhas em uma balsa precária e isso é um sério problema a ser evitado, entretanto é uma realidade que chama a atenção – além do fator político – devido a Cuba ser uma ilha.

Pensando que latinos de todos os países, inclusive do Brasil, juntam todas as suas economias para viajar ao México e de lá tentar cruzar a fronteira terrestre para os Estados Unidos, muitos morrendo devido ao calor extremo dentro da cabine de um caminhão, ou fuzilados pelos guardas da fronteira, notamos que o problema da imigração extrapola a guerra de aparências entre Cuba e Estados Unidos.

Pinçando exemplos de sucesso econômico em meio ao mar de latinos explorados nos Estados Unidos, ratifica-se a imagem de uma terra de prosperidade e modelo a ser seguido pelos demais países, desconsiderando que do ponto de vista do indivíduo, para cada exemplo de sucesso há uma massa de compatriotas em situação oposta; e do ponto de vista do estado, a economia americana é sustentada – entre outras coisas – por juros de dívidas de países pobres.

Uma Noite é um filme interessante, porém como primeiro trabalho da diretora, deixa claro a inexperiência e o potencial subaproveitado, que deve ser suprido por quem assiste ao filme para que este não se transforme em um panfleto de doutrinação, como tantos exemplos hollywoodianos.

Cabe ressaltar um detalhe do filme. Os personagens caminhando pela orla de Havana, onde o mar quebra no chamado malecón, um muro onde se pode sentar e ouvir o barulho do mar, por vezes sentindo o respingo da água salgada que espirra na calçada. Lugar único, extremamente atrativo e emblemático.


Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...