terça-feira, 5 de agosto de 2014

Confia em mim

A confiança é um sentimento extremamente difícil de ser dosado. Inconscientemente atribuímos um nível de segurança para cada um que nos cerca e também para nós mesmos, sendo que uma série de fatores, como o tempo e as experiências vividas, acabam influenciando nesse nível imaginário.

Conforme o título indica, é esse o eixo central do diretor Michel Tikhomiroff. O roteiro traz uma trama bem amarrada e ainda que fique restrito a um cotidiano de poucos personagens de classe média alta, o que facilita o trabalho, aborda com competência os históricos golpes que formam um jogo de xadrez entre policiais e golpistas.

A protagonista Mari (Fernanda Machado) trabalha como chefe de cozinha e a primeira ideia de “confia em mim” é desenvolvida em relação à própria personagem, mais especificamente sua autoconfiança. Mari demonstra extrema insegurança, que pelo pouco contato que temos com seu histórico de vida, poderia ser justificada pela relação familiar. Não é necessário muito tempo para percebermos que sua mãe e sua irmã não têm confiança na moça.

Nossa primeira tendência costuma ser pensar a confiança a partir do outro, ou seja, quais as atitudes que nos inspiram confiança em um primeiro contato, porém não percebemos o quanto a nossa autoconfiança – ou falta dela – interfere na relação, seja ela qual for. Se pessoas inseguras sofrem as consequências disso em contatos banais e cotidianos, que dirá em situações mais densas como uma vaga de emprego que demanda tomada de decisões.

A insegurança de Mari tem influência direta para a aproximação de Caio (Mateus Solano). Em um encontro aparentemente fortuito o personagem sempre demonstrou ser um porto seguro, uma referência, passando a confiança que toda jovem insegura sonha em ter. O filme chega a ficar entediante com o romance de conto de fadas, até que a protagonista descobre que o mundo cor-de-rosa da classe média também pode sofrer com atitudes condenáveis.

Diante de uma atitude à margem da lei somos reducionistas e simplistas. Entretanto alguns golpes são aplicados há séculos e existe toda uma literatura desenvolvida em torno da aura de romantismo que cerca os golpes baseados na perspicácia e astúcia. Ressalto, não há violência física, muitas vezes não chega a haver um crime direto, mas um jogo psicológico tenso que induz as vítimas a serem enganadas e cometerem erros quase infantis para quem olha o caso a distância.

Todos podem ser ludibriados em alguma situação, fato que está diretamente ligado à confiança citada no início. O que fica claro no filme é que Mari nunca foi nem um pouco preparada para lidar com certas situações, o que acabou fazendo dela uma presa fácil. Isso envolve, como sempre, a autoconfiança.

Esse traço de nossa personalidade é desenvolvido com o tempo, baseado em nossas experiências de vida. Por suas atitudes no emprego e pela relação que mantém com os demais personagens, vemos que Mari não demonstra segurança nem quando todas as evidências justificam essa atitude. Dá a entender que nunca foi estimulada a confiar em si mesma e a tomar decisões, ainda que tenha que arcar com as consequências de eventuais equívocos.

É um ciclo que se inicia com a falta de confiança que os pais têm nos filhos, isso gera insegurança para aqueles que alvos dessa desconfiança e crescem com a necessidade do crivo dos pais para toda e qualquer decisão que precisam tomar. Ao não serem estimulados a tentar e a correr riscos, a autoconfiança vai sendo minada ao longo da vida, fechando o ciclo como adultos inseguros, despreparados, que sofrerão as consequências dessa falta de atitude em diversas fases da vida – quando não chegam ao extremo de serem alvos fáceis, como no caso do filme.

Sendo o primeiro longa metragem do diretor, o trabalho satisfaz ao apresentar um roteiro bem trabalhado, com elementos aparentemente soltos, que cedo ou tarde demonstram algum sentido. Apesar de causar certo desconforto a homogeneidade social do filme, sem classes antagônicas e com personagens restritos à elite, a história se encaixa na proposta de trabalhar tanto o universo marginal dos golpistas que selecionam suas vítimas entre a classe média alta, quando a relação de confiança, que pode ser destrutiva ou essencial, sendo o grande desafio ter maturidade para distinguir cada situação com antecedência.


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