A Segunda Guerra Mundial é um dos eventos históricos mais documentados em obras de arte – talvez o mais documentado. Isso não é exagero, pois tamanha barbárie deve ser constantemente lembrada, na esperança de que não volte a acontecer. A particularidade deste filme do diretor Jonathan Teplitzky é mostrar um lado pouco retratado do combate.
Longe da Europa muitos soldados viviam o inferno da guerra no front asiático. O filme em questão é baseado em uma história real, essa informação nem sempre é benéfica, já que se por um lado dá veracidade aos fatos retratados, por outro nos induz a olhar para o filme como um retrato fiel do que aconteceu – o que nem sempre é verdade.
O exército britânico, historicamente imperialista e dominador, teve parte dos seus soldados capturados pelos japoneses e utilizados na construção de uma ferrovia na região da Tailândia. No próprio filme um dos personagens ressalta a inversão de papéis que o episódio proporciona. Entre os soldados está Eric Lomax (Jeremy Irvine e posteriormente Colin Firth, protagonista).
Difícil falar em lado certo ou errado de uma guerra. Olhando de forma pontual, como no caso do filme, temos a tendência de ver Lomax e seu exército como vítimas, já que são os escravizados e torturados em questão, mas para isso temos que abstrair as barbáries cometidas pelo mesmo exército em outros fronts.
O fato é que Lomax e seus companheiros de batalha, já idosos, nunca superaram os traumas da guerra. O vislumbre de alívio na vida do protagonista aparece quando ele conhece Patricia (Nicole Kidman), que ao menos no início do relacionamento consegue desfazer um pouco da tensão do personagem.
O curioso é que Patricia define Lomax como um homem maravilhoso, mas perturbado. Ela tenta com muito empenho livrar o marido dessas perturbações, como se quisesse despi-lo dos traumas deixando apenas sua essência. O problema é que essas duas características de Lomax são indivisíveis, cada uma contribuindo um pouco para a formação do indivíduo.
Depois de tanto tempo sozinho o protagonista acaba desaprendendo a conviver e a aceitar diferenças. Isto somado ao estilo metódico dos ingleses, às vezes incompreensível e cômico aos latinos, faz com que o convívio seja difícil até mesmo com a pessoa amada.
Enquanto Patricia busca o homem por trás dos traumas, como se isso fosse dissociável, Lomax não esconde o passado da esposa, esconde de si mesmo. Sabe que sua vida no front não é nada atrativa e tem a ilusão de viver a partir de quando conhece a esposa, passando uma borracha no passado, como se isso fosse possível.
Essa atitude não é exclusiva de Lomax, tão pouco daqueles que passaram por um grande trauma como a guerra. Por vezes queremos mesmo esconder o passado até da pessoa que mais amamos, não por mal, mas por uma necessidade inconsciente de escondê-lo de nós mesmos. Não é uma postura fácil de aceitar, como no caso de Patricia, mas um pouco de compreensão é sempre bem-vinda. Os traumas pelos quais passamos, ainda que bem menores que o cotidiano de uma guerra, formam nossa personalidade. Somos o que somos graças ao que vivemos de bom e de péssimo.
Como era de se esperar, Lomax encontra Nagase (Hiroyuki Sanada), soldado que não o torturou, mas foi complacente, servindo de tradutor nos interrogatórios guiados por violência. O que fazer diante de um torturador nestas condições? Por um lado é demagogia dizer que Nagase foi apenas tradutor. Isso o tornaria ao menos complacente, que já não é pouco, mas no topo da hierarquia militar estão os que, entre tantas barbáries, conseguem motivar seus soldados aos atos mais vis, fazendo-os acreditar que a crueldade é necessária.
Não por acaso o filme nos leva a tomar o partido de Lomax. Mesmo suavizando as cenas de tortura, o protagonista é construído com base na gentileza, lealdade e várias virtudes que nossa sociedade valoriza, enquanto o exército japonês, incluindo Nagase, é apresentado como vilão da história.
Voltando ao início, olhando para esse episódio isoladamente essa distinção entre bem e mal pode ser tolerada, mas não devem faltar exemplos de papéis invertidos, com soldados britânicos aterrorizando prisioneiros de exércitos inimigos. Crimes de guerra que não chegam a ser culpa dos soldados, mas de patentes e cargos bem mais elevados.
Diante do terror multifacetado da guerra, o fim do filme (sem detalhes por aqui) pode nos emocionar e, sobretudo ensinar várias lições, basta abstrairmos os limites da guerra e ampliarmos a ideia para temas cotidianos.
2 comentários:
Amei seu comentário por um motivo óbvio...consegui entender tudo oque vc disse. Já entrei em outros blogs /sites e não tinha entendido uma palavra...
Eu estou procurando spoillers pq não quero ver o filme mas quero saber a história (vi o trailer e fiquei curiosíssima) mas seu resumo/comentário me deixou bastante satisfeita... Obrigada
Que bom que gostou do texto! Mas veja o filme tb... vale a pena ;)
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