terça-feira, 20 de outubro de 2015

Marcados Pela Guerra (Camp X-Ray)

A opinião mais comum sobre prisioneiros é que se uma pessoa está na cadeia é porque fez algo de errado, muitos ainda consideram que a condição de cárcere despe o indivíduo de qualquer direito, justificando qualquer tipo de tratamento que venha a receber de agentes da lei.

Em resumo essa era a ideia da protagonista Amy Cole (Kristen Stewart) quando, após se alistar no exército norte-americano, chega na prisão de Guantanamo. A versão oficial do exército e do governo é que a prisão é destinada aos terroristas, de forma que os militares já chegam no local dispostos a lidar com inimigos.

O diretor Peter Sattler construiu uma linha temporal simples, mas eficiente. Pouco a pouco os preconceitos em relação a prisioneiros e militares são apresentados, para serem desconstruídos ao longo das poucas relações que se estabelecem entre os personagens.

O detento que se destaca na trama e serve de contraponto às regras militares é Ali Amir (Peyman Moaadi). Os soldados devem vigiar os detentos constantemente, pois mesmo que passem o tempo todo isolados em uma cela individual, pequena e com opressoras paredes brancas, devem ser impedidos de cometer suicídio. Independente de como uma pessoa foi parar em Guantanamo e qual nossa opinião a respeito disso, não é difícil imaginar o desespero de passar vários anos isolado do mundo nessas condições.

Por parte dos militares, nenhum contato é permitido. Instigando o ódio e construindo uma personalidade animalizada aos detentos, o exército obriga que todos mantenham distância dos supostos terroristas, sem conversa, sem contato físico, usando até mesmo luvas cirúrgicas enquanto estão em serviço.

Ali Amir mostra o porquê de tanto rigor, primeiramente aparentando justificar todas as barbáries atribuídas aos detentos. O problema é que, conforme o próprio filme indica através da fala de um militar, os detentos conhecem empiricamente os procedimentos da prisão há anos, enquanto soldados como Amy ainda não conhecem bem as nuances da relação distante entre as partes envolvidas.

Com o tempo e com a paciência de quem passa longas horas sem entretenimento, Ali consegue começar a puxar conversa pela fresta da porta e a chamar a atenção da vigia que ele sequer sabe o nome, já que os militares são obrigados a andar sem identificação. De detalhe em detalhe Cole percebe que o detento está longe de ser um terrorista impiedoso que visa destruir seu país.

Mais velho e com muito mais cultura que a jovem militar que ainda não sabe muito bem o que quer, Ali consegue estabelecer um vínculo mais forte, ainda que somente por curtas conversas durante o turno de Cole, em contrapartida o comportamento hostil dos demais soldados em relação aos detentos começa a incomodá-la. Um motivo para isso é exatamente a justificativa para o exército exigir distância entre detentos e vigias, ou seja, uma vez estabelecido um vínculo que mostre aos americanos a pessoa que ocupa o lugar do suposto terrorista, seria muito mais fácil o desmascaramento de absurdos cometidos pelo exército.

Ali é apenas um dos detentos de Guantanamo que é mantido em cárcere injustamente e Cole é apenas uma entre diversos militares que aplicam as leis com a mesma facilidade com que quebram as regras quando convém. O filme nos instiga a pensar em quantos detentos e militares reais não são representados por esses personagens, atuando na vida real para manter vivo o medo exacerbado do terrorismo.

Da mesma forma que Cole chegou à prisão munida de todos os preconceitos que a convenciam de aceitar qualquer ordem como correta e necessária, o medo do terrorismo faz com que a população norte-americana não apenas apoie, mas exija do governo atitudes agressivas contra países inteiros, sob a justificativa de combate a um terrorismo muito mais psicológico que real.

Em uma escala distinta, porém mais próxima a nossa realidade, é possível afirmar que a estrutura baseada no medo atua também em presídios ditos comuns, que não abrigam terroristas. Ao transformar todos os presos em uma massa uniforme e isenta de individualidades os governos moldam um inimigo da sociedade e, de forma semelhante ao exército norte-americano, cometem barbáries com o apoio e o clamor de ampla parcela da sociedade, que acredita serem medidas necessárias para a segurança.

Pode ser que entre tantos detentos em Guantanamo haja potenciais terroristas, assim como entre milhares de presos em nosso sistema prisional há verdadeiros criminosos, mas tratar todos da mesma maneira não proporciona recuperação e ainda instiga o ódio, que traz mais problemas do que solução.


3 comentários:

Unknown disse...

Muito legal o seu texto e parabéns pela percepção aguçada. Abraço.

Alexandre disse...

Que bom que gostou! O filme é ótimo.

Unknown disse...

Achei interessante a sua reflexão quanto a moral da história do filme, principalmente quando a equipara ao nosso sistema prisional.

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