terça-feira, 28 de novembro de 2017

A vida útil - um conto de cinema (La vida útil)

Uma vida inteira dedicada a fazer algo prazeroso. Esse poderia ser o resumo do que pensamos sobre uma vida útil. O problema é que nem sempre uma vida plena e satisfatória se encaixa com uma atividade útil do ponto de vista econômico.

O diretor Federico Veiroj constrói este longa quase como uma metalinguagem, mostrando que a qualidade pode estar completamente separada da viabilidade econômica.

A estética em preto e branco ajuda a dar um tom anacrônico para a vida do protagonista Jorge (Jorge Jellinek) que na contramão da tendência de grandes salas de cinema dentro dos shoppings, visando o entretenimento a custos exorbitantes, trabalha integralmente na cinemateca de Montevidéu.

Um grande complexo de salas de cinema opta por exibir os chamados blockbusters de Hollywood, cobrando ingressos caros e gerando renda com tudo o que é vendido nas lanchonetes do cinema – que não é pouco. Já uma cinemateca é oposta em todos os sentidos.

O entretenimento é apenas uma das funções do cinema, que tem grande relevância, mas restringir todo o potencial dos filmes a um entretenimento vinculado ao consumismo dos shoppings é desperdiçar talento e qualidade, que os filmes alternativos costumam esbanjar em produções pequenas e pouco divulgadas.

Já no início do filme Jorge fala, no programa de rádio, que “você precisa da cinemateca e a cinemateca precisa de você”. É evidente que uma cinemateca precisa de público, tanto por não fazer sentido uma exibição de filme sem pessoas para assistir quanto pela necessidade da renda.

O caminho inverso não é tão explícito. Qual a necessidade de uma cinemateca? Se considerarmos a fábula do livre mercado podemos imaginar que as antigas salas de cinema de rua, com filmes alternativos e preços mais baixos, morreram naturalmente por não serem capazes de concorrer em qualidade e preço com as grandes redes de cinema.

Porém o público de cinema exige uma formação. É neste ponto que uma cinemateca é fundamental, pois essa formação sempre existe, mas em geral é feita pela televisão, voltada aos filmes de Hollywood, que têm valor, mas não são os únicos a expressarem o potencial do cinema.

A exibição de filmes temáticos, em ciclos que reúnem obras com pontos de vista distintos, tem o potencial de atrair o público que visa o conteúdo histórico e didático, dificilmente explorado fora do ambiente de uma cinemateca.

Essas exibições dependem de outra função importante, a preservação de obras com valor histórico incomparável ao valor econômico. Os filmes ditos ‘de arte’, ainda que todo filme seja uma expressão artística, não tem a intenção de encerrar a vida útil após o fim das exibições em salas comerciais.

Um blockbuster pode gerar quantias imensas de dinheiro em poucos dias, com lançamento em milhares de salas que logo permitirão a cobertura de todo dinheiro investido, muitas vezes gerando lucros exorbitantes aos estúdios que o produziram. Já os filmes alternativos costumam ter dificuldades até mesmo para cobrir o reduzido orçamento de produção.

Não há saída para as dificuldades econômicas das produções alternativas além do fomento que é contrário às leis de mercado. O interesse cultural contido em uma cinemateca ultrapassa o lucro econômico e a ausência de verba destinada a uma instituição que preserva a cultura indica um descaso com a formação cultural da população.

A vida do protagonista Jorge se encaixa perfeitamente na realidade da cinemateca onde trabalha. Dedicado e sem grandes pretensões econômicas, Jorge sobrevive e faz o local sobreviver.

Mesmo o programa de rádio que ele coordena acaba seguindo os preceitos do circuito de cinema alternativo. O conteúdo apresentado é bom, com grande valor intelectual, mas não é dinâmico e tem pouca atratividade para aqueles que não estejam profundamente interessados no tema apresentado.

Jorge e a cinemateca parecem ter suas existências vinculadas. Excluindo a visão romântica de alguém que dedica toda a vida para uma causa, essa relação de dependência é ruim para ambos.

A cinemateca é uma instituição que deve ser perene, ultrapassando a existência daqueles que se dedicam para mantê-la. Já no caso de Jorge, o fim da cinemateca significa a rendição de sua própria vida às normas de mercado, com uma produção em massa que chegue à circulação e encerre o ciclo após o consumo. Qualquer particularidade que fuja dessa lógica parece não ter espaço e tende a ser sufocada.


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