terça-feira, 10 de janeiro de 2017

O décimo homem (El Rey del Once)

O longa do diretor argentino Daniel Burman gira em torno da história de Ariel (Alan Sabbagh), que depois de muitos anos retorna de Nova York para o bairro judeu de sua infância na Argentina, onde agora suas expectativas e lembranças serão confrontadas com a realidade, que nunca é exatamente como esperamos.

Ariel havia se tornado um economista bem-sucedido. Voltou para a região onde seu pai administrava uma instituição de caridade. Usher (Usher Barilka) é o rei da onze, a quem o título original faz referência. Um homem que aparentemente mal tem tempo para respirar em meio à correria de uma rua que lembra a 25 de março, paulistana.

Em uma metrópole, com seu ritmo de vida frenético e compromissos simultâneos, as relações pessoais devem se encaixar nos raros intervalos livres. Não que as pessoas sejam mais frias, muitas vezes elas não conseguem conciliar tantas atividades com a atenção que gostariam de trocar com amigos e familiares. Antes de julgar essa dificuldade como a priorização do trabalho, devemos lembrar de que a carga horária profissional é a única que se mantém estável e inflexível. Quem quiser adicionar atividades e compromissos na agenda, que sacrifique o descanso ou o lazer.

Assim Ariel não tem a recepção que esperava ao desembarcar. Ninguém no aeroporto, e não pode encontrar com seu pai nem mesmo na instituição. Por telefone e notavelmente contrariado pela pressa, Usher informou que o reencontro ficaria para o dia seguinte, parecendo mais preocupado com um sapato que encomendara do que com a viagem do filho.

Outra frustração do protagonista vem das obrigações que acompanham a vida adulta. Suas lembranças da infância não incluem auxiliar o pai em negociações duras com os fornecedores, nem informar às pessoas ajudadas pela instituição que não teriam carne para comer.

Com tantas barreiras, seu alento vem através de Eva (Julieta Zylberberg), funcionária da instituição que sempre se mostrou muito solícita, apesar de uma particularidade. Eva não falava. Não era muda, apenas considerava não ter o que dizer, com isso os monólogos de Ariel eram respondidos com breves gestos ou expressões faciais, o que não deixa de ser mais uma frustração ao personagem.

Eva é uma personagem bastante emblemática. Apesar do judaísmo presente na história, desde seu nome até seu papel na história faz com que ela lembre a primeira mulher, criada, segundo o catolicismo, para fazer companhia ao homem. A Eva bíblica não tem voz histórica e a do filme opta por abrir mão da palavra.

O silêncio dá espaço para que Ariel fale sobre sua vida, suas expectativas e suas frustrações, talvez sem perceber que suas expectativas migravam de Usher para Eva, que também não tinha obrigação alguma de correspondê-las. É bem compreensível que a personagem que não pronuncia nenhuma palavra instigue curiosidade, mas esta deveria ser livre de ilusões.

Aos poucos, conforme o encontro com o pai vai sendo adiado, Ariel começa a ter contato com pessoas que acabam servindo de contraponto ao seu mundo de idealizações, afinal todos somos ou ao menos já fomos alvo de idealizações que não tínhamos a menor intenção, muito menos obrigação, de corresponder – inclusive o próprio Ariel.

O material que temos sobre a vida do personagem sugere que ele tenha sido o protagonista de tudo o que viveu. Sempre teve o mundo ao seu redor, mas nunca parou para pensar no que o mundo esperava dele. Assim mudou de país, se estabeleceu profissionalmente e só voltou depois de muito tempo, mais por convite da família que por vontade própria.

O pai, a quem ele sempre chama de Usher, também esperou pelo filho. Talvez tenha esperado durante muito tempo, até que percebeu que sua própria vida precisava ser vivida, suas obrigações – que incluíam as atividades da instituição e consequentemente atingiam diversas outras pessoas – não poderiam ficar restritas às vontades do filho.

O que resta a Ariel é aprender na prática uma condição que o conforto econômico não ensina. Ser um economista bem-sucedido ou ser o filho do rei da onze não o torna único no mundo. Olhando de longe ele é, com a insignificância de qualquer outra pessoa no mundo, apenas mais uma pecinha encaixada em um tecido social.

Fora do mundo da fantasia as expectativas criadas raramente são correspondidas espontaneamente. Ariel parece ter acreditado que seriam, devido a uma condição econômica que colocava empregados a realizar suas vontades e a um pai que provavelmente se esforçou para dar conforto ao filho. O que se espera é que a monarquia no rei da onze chegue ao fim nos tempos de república.


Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...