terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Permanência

As mudanças de comportamento social costumam ser absorvidas lentamente, de forma que não nos damos conta de como o período em que vivemos é diferente daquele das gerações passadas. Se hoje as pessoas se casam cada vez mais tarde, com muitas optando por uma vida de solteiro sem que isso seja um problema, há poucas gerações o mais comum era um matrimônio ainda no fim da adolescência, que de uma forma ou de outra seria mantido até o fim da vida.

Manifestações do movimento feminista associadas a movimentos libertários, sobretudo a partir dos anos 60, alteraram o rumo desse destino quase predeterminado da primeira metade do século passado. Diferente do que correntes conservadoras argumentam, não foi a instituição familiar que passou a ser desfeita, mas uma ilusão de casamento perfeito que sempre existiu somente na teoria.

Neste longa do diretor Leonardo Lacca vemos uma história típica de relacionamentos contemporâneos, que não são engessados pela necessidade moral de serem eternos; o que não faz com que a vida seja mais fácil. Avançamos socialmente ao admitirmos que relacionamentos nem sempre são insolúveis, mas os sentimentos nunca serão um apanhado de conclusões racionais.

A história tem início quando o fotógrafo Ivo (Irandhir Santos) chega de Recife para sua primeira mostra em São Paulo e fica hospedado na casa de sua ex-namorada Rita (Rita Carelli). Não temos nenhuma informação sobre o passado do casal, mas fica claro que diferente do relacionamento, o sentimento entre eles não acabou.

Mesmo com o desejo latente, ambos se casaram e o atual marido de Rita se esforça para não evidenciar seu ciúme – sentimento que nesse caso é exponencial ao perceber que Ivo é muito mais interessante e condizente com a personalidade de Rita.

Diferente de um conceito que só funciona nas propagandas de margarina, onde o amor é único e eterno, atuando de forma homogênea para todos os casais, no filme vemos um sentimento múltiplo. O fato de Ivo ser casado não é suficiente para que seu sentimento por Rita acabe, tão pouco o impede de ter um caso com Laís (Laila Pas), envolvida na produção de sua exposição.

Ainda que não seja personagem de grande destaque na história, Laís reúne em si características resultantes de avanços sociais. Uma moça livre para viver sua própria vida, desprendida de valores morais que até pouco tempo atrás tornavam impensável uma noite de amor com um quase desconhecido, sem a menor pretensão de continuidade.

Essas transições sociais não possuem um ponto final. São valores que mudam com o tempo, somados à necessidade urgente de romper com um machismo que relegava às mulheres a vida de submissão. Se por um lado atingimos maior liberdade nos relacionamentos, por outro essa liquidez não está totalmente desprendida de valores tradicionais, muito menos de sentimentos conflitantes, para os quais não há regras que evitem frustrações.

Os mais imediatistas poderiam pensar que não fossem os ideais liberais postos em prática, Ivo e Rita ainda estariam juntos, já que demonstram grande afeto um pelo outro, porém o sentimento presente ressalta que independente do que tenha motivado a separação, foi algo relevante a ponto de superar o que sentiam. Poderiam ter continuado o relacionamento e afetivamente estariam, talvez, mais felizes, mas isso fica restrito ao campo das hipóteses.

No passado as opções ao longo da vida eram muito mais restritas. Casar cedo, ter filhos e trabalhar por décadas na mesma empresa ou ficar em casa cuidando da família era um roteiro que resumia a vida de grande parte das pessoas. Agora o dinamismo de uma vida profissional caótica, as infinitas possibilidades de estudo e os caminhos entrecruzados ao longo da vida fazem com que seja tarefa árdua encaixar um relacionamento que possa conciliar todos os compromissos de um casal.

A vida moderna se torna cada vez mais complexa, reflexo de uma liberdade pela qual a sociedade vem lutando há muito tempo. Seria muito superficial se ater às frustrações românticas para emitir um julgamento final sobre nosso estilo de vida. A luta pela liberdade universal implica em cruzarmos com pessoas igualmente livres, com outras ambições e planos muito bem traçados.

O encontro de duas pessoas que aceitem seguir pelo mesmo labirinto de caminhos que se estendem pela frente é raro. Antigamente não era mais fácil, a diferença é que muitas pessoas eram arrastadas por caminhos indesejáveis.


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