terça-feira, 18 de abril de 2017

Cordeiro (Lamb)

Dirigido pelo etíope Yared Zeleke, este longa cumpre a função de mostrar um pouco de seu país de origem ao mundo. Geralmente reduzido à seca e à produção de maratonistas, a Etiópia é mais um país associado à África de forma genérica, com suas particularidades ignoradas e perdidas em meio à generalização.

Alguns detalhes são exibidos no filme através do pequeno protagonista Ephraïm (Rediat Amare), que em um roteiro não muito diferente de algumas histórias brasileiras é obrigado a fugir da seca que matou sua mãe, mudando para a casa da família paterna com sua ovelha Chuni, enquanto seu pai procura emprego em uma cidade pretensamente mais promissora.

Apesar de lembrar a história de ‘Vidas secas’, a ênfase do filme não está no sofrimento da jornada, que aqui é feita em um ônibus precário, porém mais cômodo que a peregrinação dos nordestinos. O que chama a atenção no país africano é o forte laço com as tradições e a ausência da infância como estamos habituados a ver por aqui.

Ephraïm acaba de perder a mãe e parece não ter espaço para viver seu luto. Em pouco tempo passa a morar com parentes que mal conhece, com a ameaça de que sua ovelha será abatida para uma comemoração religiosa e com sua afeição pela culinária censurada pelo tio, pois cozinhar é uma tarefa exclusivamente feminina segundo os costumes locais.

É compreensível que em meio a tantas hostilidades o menino saia do ambiente rural onde mora a família e chegue ao mercado da cidade, um conglomerado de comércio realizado à céu aberto. As outras crianças que poderiam significar um pouco de empatia e pertencimento a um grupo de comportamento semelhante ao seu acabam refletindo a violência e hostilidade de uma sociedade reduzida à luta pela sobrevivência.

Ao longo do filme percebemos não haver atividades lúdicas para os personagens. Os adultos se diferem pela autoridade exercida, mas todos parecem ter como único objetivo encontrar meios de subsistência. Para isso o trabalho começa ainda na infância – pois por mais baixa que seja a remuneração, qualquer migalha pode ajudar – e a religião que impõe tantos valores não é um empecilho para tentar um casamento arranjado para a filha adolescente.

Com tanta hostilidade é compreensível que Ephraïm faça de tudo para voltar ao vilarejo de onde veio. A subsistência de uma vida sem propósito não parece nada atrativa e como se isso já não fosse absurdo, sua única fonte de afeto vem de uma ovelha cuja vida deve ser defendida e seu apreço pela culinária – que o faz lembrar da mãe recém falecida – é menosprezado.

O estilo de vida que é evidenciado através do protagonista se estende aos demais personagens. É perfeitamente compreensível que a diferença entre Ephraïm e as demais crianças do mercado, que formam uma espécie de gangue mirim, seja a tênue ausência de uma referência mais afetiva, que pode vir da mãe ou de ao menos um animal de estimação, e o comportamento rígido e inflexível dos adultos seja a reprodução do que vem sendo passado através de gerações.

Mais do que olhar para cada personagem do filme de forma isolada, cabe pensarmos no que poderia surgir de um ambiente tão hostil e fechado, onde o atendimento médico é restrito aos que têm dinheiro e o estudo é um luxo, ou mesmo um mal a ser combatido pelos pais.

O que emerge de uma sociedade em que, a despeito de viver na modernidade, as crianças seguem coibidas de ter uma infância dificilmente será diferente do que vemos no filme. Ephraïm parece ter o destino dos adultos que o cercam. Deve crescer rápido, chegar à maturidade sem passar pela juventude e provavelmente envelhecerá antes dos trinta.

É inadmissível que os direitos mais básicos, desde a subsistência vinda da água e da comida até a moradia digna e o acesso à educação siga vetado a uma parcela da população. Não há mérito ou ausência de esforço pessoal que justifique a condição exposta no filme e vivida em tantas outras partes do mundo, inclusive aqui, no Brasil, do outro lado da rua do condomínio fechado.

A história de exploração dos povos africanos é antiga, constrangedora e revoltante. Filmes como esse vêm nos lembrar que essa exploração não ficou no passado. Segue fazendo vítimas cotidianas, que mal têm direito a um grito de revolta.


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