Meus ontens estão desaparecendo e meus amanhãs são incertos. Então, para que eu vivo? Vivo para cada dia. Vivo o presente.
O mal de Alzheimer nos remete logo à perda de memória. De fato esse é o sintoma imediato, que chega ao extremo de fazer com que as pessoas próximas daqueles que têm a doença precisarem tirar os espelhos da casa, pois em níveis avançados os pacientes “esquecem” que envelheceram. Dá para imaginar a sensação de interromper essa leitura agora, ir até o banheiro, olhar no espelho e dar de cara com um reflexo décadas mais velho do que se espera?
Adaptado do romance homônimo de Lisa Genova, os diretores Richard Glatzer e Wash Westmoreland mostram nas telas não somente a angústia inicial da protagonista Alice (Julianne Moore), mas como a vida de todos que estão próximos é severamente afetada com o desenvolvimento da doença.
O Alzheimer é terrível para qualquer pessoa, independente de idade ou histórico de vida, mas aqui tudo fica mais impactante, pois a protagonista é uma renomada professora de Harvard, com um intelecto até então invejável, e tem uma rara instalação precoce da doença. Alice tem apenas cinquenta anos e está no auge de sua carreira; nos primeiros meses tem consciência do definhamento de seu potencial.
Sua família é composta pelo marido, também professor de Harvard, e três filhos. Todos com carreira promissora e compromissos inadiáveis, ao menos até a descoberta da doença. Olhando de fora é fácil e tentador dizermos que não deve haver limites para a dedicação de todos à Alice, afinal é uma pessoa da família, extremamente importante para seus entes, que por isso não devem medir esforços para fazer o que tiver ao alcance.
O que não podemos esquecer é que não se trata de uma internação temporária, com previsão de alta. Alice, aquela profissional competente, mãe dedicada e esposa que soma suas qualidades às do marido formando um casal exemplar não irá receber alta, pior, irá receber notícias cada vez mais desanimadoras sobre seu estado de saúde. Consciente de seu estado e refutando a hipótese de se tornar um peso para a família, a protagonista tenta encontrar uma solução enquanto sua racionalidade ainda permite.
Uma reflexão que o filme acaba instigando se dá em relação ao limite do que somos. Aquela pessoa será “para sempre Alice”, ou em uma tradução mais precisa do título original, continua sendo Alice, ao menos fisicamente. Por isso mesmo notamos uma tentativa dos familiares de conciliar os cuidados que despendem a ela e suas necessidades pessoais.
Não se trata de esquecer a esposa ou a mãe, mas de equilibrar as necessidades às quais a própria protagonista, logo após o diagnóstico, tinha a preocupação de não se tornar um empecilho. Talvez a consequência mais dolorosa do Alzheimer seja relegada aos familiares, que estão condenados a assistir a uma morte cognitiva antes da morte física. Qual seria a data desse óbito precoce? Quando Alice não reconhece a própria filha? Ou quando acredita que a irmã – morta há mais de trinta anos – está em casa?
Ao menos para um leigo, como eu, a impressão é a de que o diagnóstico de Alzheimer é uma condenação inapelável. No caso de Alice é ainda pior, já que a rara forma de instalação precoce de seu caso é genético e dominante. Seus filhos têm 50% de chance de também desenvolver a doença. À mãe, desesperada, só resta chorar e se desculpar por uma culpa que não existe.
Um portador de Alzheimer sabe que sua consciência está se esvaindo, sobretudo uma professora universitária com acesso a muitos estudos sobre o tema. Planejar parece um ato quase irresponsável, já que não se sabe se a doença irá se desenvolver rápido. Viver intensamente os últimos momentos de consciência parece ser o que resta, ainda que não restem lembranças posteriores.
Há alguns anos, quando começaram a falar em clonagem de seres humanos, os cientistas se apressaram em deixar claro que a clonagem consistiria em uma cópia genética, o que não quer dizer que resultaria em dois seres humanos iguais, já que somos formados por lembranças de vivências e aprendizagens inseridas em um contexto social e histórico.
Sendo assim, apagando essas lembranças, o que sobra? Ao que parece, uma cópia do que já fomos. Geneticamente igual, mas vazia de conteúdo e cada vez mais incapaz de interagir com o que está ao redor. Angustiante – a quem as faculdades mentais ainda permitem sentir angústia.
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