Chega às telas de cinema o filme “Simonal – ninguém sabe o duro que dei”, sobre um dos maiores cantores que nosso país já revelou e que protagoniza uma das histórias mais curiosas envolvendo a ditadura militar.
De origem muito humilde, filho de empregada doméstica, Simonal era dono de uma voz que bastaria para lhe dar projeção nacional após ter cumprido o serviço militar obrigatório. Mas, além disso, o carisma inigualável com que contava para manter toda a plateia em suas mãos fez de Simonal um ídolo nacional, tendo feito diversas apresentações no exterior nas décadas de 60 e 70. Em seus shows regia o público tal qual um maestro frente a uma orquestra chegando a ter, em show no Maracanãzinho, mais notoriedade que Sergio Mendes, logo após este ganhar o Grammy.
Ao contrário das expectativas criadas para quem atinge tamanho sucesso, Simonal morreu aos 62 anos de cirrose hepática, pobre, esquecido pela mídia e por boa parte dos amigos. O dono da bela voz não chega a ser um caso único neste sentido, afinal não faltam exemplos de artistas ou esportistas consagrados que encerram a vida no anonimato, muitas vezes passando necessidades. Aqui cabe uma das conclusões notáveis que podemos tirar pensando no enredo, juntamente com a história do Brasil.
Em um país que não prioriza a educação de seu povo, são frequentes os casos de pessoas que, famosas ou não, encontram dificuldades para administrar a carreira e muitas vezes passam de uma condição de vida confortável para sérias dificuldades, não ganhando o suficiente para sanar as necessidades mais básicas. Essa é uma das faces de um sistema educacional que, para dizer o mínimo, beira a falência.
Outro ponto bastante comum nas carreiras de grande sucesso, talvez com predominância entre artistas com formação precária, são os conflitos com empresários. Geralmente artistas alegam exploração por parte de empresários, que por sua vez alegam terem sido demitidos injustamente após colocarem os artistas no topo. No caso de Simonal todos esses elementos estavam presentes, portanto até aqui sua história tem poucos elementos novos.
A particularidade do caso começa ao cruzar o caminho da ditadura militar que utilizava um falso escudo de progresso econômico – no qual não podemos acreditar, pois pagaremos as dívidas econômicas da ditadura eternamente – para perseguir politicamente cidadãos que muitas vezes sequer tinham vínculo com a política. Fatos ocorridos durante a ditadura militar costumam ser obscuros, com várias versões e pouca documentação e a história de Simonal não é diferente, de modo que no documentário vemos diversas versões divergentes, diante das quais não é possível chegar a uma conclusão exata de quem está com a razão ou qual versão é falsa. O que podemos concluir é que após ter sido acusado de ordenar a tortura de seu ex-empresário, Simonal foi acusado, injustamente durante seu depoimento, de ser alcaguete a serviço dos militares.
No auge da luta pela democracia, na qual a classe artística teve grande destaque, Simonal foi visto como traidor e essa ideia foi estranhamente comprada por toda a mídia, cuja construção de notícias vem de longa data. A partir disso sua carreira entrou em declínio, perdeu contratos e sofreu boicote das casas de shows e veículos de comunicação como um todo. Até a sua morte sua carreira nunca mais foi reconhecida como no passado, mesmo após reunir documentos oficiais isentando a participação em órgãos militares. O cantor passou a enfrentar problemas com a depressão e alcoolismo que o levou a morte no ano 2000. Antes de cairmos na tentação de julgar os que se entregam à bebida, devemos pensar nas condições pelas quais muitas dessas pessoas passam; no caso específico o declínio da carreira, o abandono de pessoas próximas e a súbita mudança no estilo de vida.
Simonal entra para a história como mais um exemplo de um cidadão que fez de tudo para driblar as dificuldades impostas pelo sistema de seu próprio país, e ao chegar no auge de sua carreira foi derrubado por esse mesmo sistema por um conjunto de fatores como a falta de instrução, o preconceito, as armadilhas políticas, etc. A vida de quem, para Luis Carlos Miéle, é o maior cantor da história do Brasil merece nossa atenção, não só como um caso particular, mas também por nos mostrar o quanto nosso país pode ser cruel com seus cidadãos.
Um comentário:
Registrando minhas visitas periódicas e parabenizando pelo empenho. Um beijo!
Postar um comentário