Serra da Desordem é um documentário que mostra a versão do diretor Andrea Tonacci (foto) para a história real ocorrida no Brasil entre as décadas de 70 e 80. O filme ganha legitimidade por ser encenado pelas próprias pessoas que viveram a história, salvo algumas cenas que precisaram ser recriadas.
O fio condutor do longa experimental é a vida do índio Carapirú (foto), da tribo Guajá. Massacrados pelos brancos que cobiçavam suas terras e a riqueza nelas contidas em 1978, os índios desta tribo se dispersaram pela mata e Carapirú vagou perdido pela mata. Até aqui o que chama nossa atenção é o massacre de índios, secular, mas o protagonista vagou sozinho por dez anos do Maranhão – local de origem da tribo – até a Bahia, onde retomou o contato com outras pessoas.
O filme não é comercial e volta-se para o trabalho etnológico. Com poucos diálogos o longo trabalho de 135 minutos mostra as etapas da vida do índio como sua vida com a tribo antes do ataque; as dificuldades da vida isolada em terras já colonizadas, ou seja, com pouca caça ou água potável, obrigando o nativo a caçar porcos, cavalos e recolher o que encontrava pelo caminho; sua vida após o contato com os brancos, com a difícil adaptação ao modo de vida tão diferente; e finalmente o retorno à tribo, com o reencontro de parentes e amigos.
Um lado abordado, mas de forma muito superficial, é o contexto histórico e o conflito de classes que cerca a história. O ataque que resultou nos dez anos de isolamento de Carapirú tem origem no período de expansão econômica, a custa de exploração indiscriminada de terras indígenas e de comunidades locais. O exemplo mostrado é o de Serra Pelada, com o famoso “formigueiro humano” para extrair o ouro que financiou as obras faraônicas do governo militar. Além impacto social e ambiental o falso milagre econômico teve como consequência a dívida externa galopante do período.
Mais presente no filme são os impactos da cultura capitalista exploratória para as comunidades locais. Enquanto empresas, políticos e empresários enriqueceram muito com a exploração dos recursos naturais e da mão-de-obra local, as pessoas que ficaram nas serras – bem retratadas por Andrea – vivem uma realidade bastante diferente. As riquezas das grandes obras da década de 70 continuam extremamente distantes e o ouro, a madeira e todos os recursos retirados daquelas terras não foram transformados em infra-estrutura necessária para sanar necessidades básicas. A escola é precária – sequer tem um teto – as casas não oferecem conforto e a sensação é de que todo o duro trabalho daquelas pessoas na era de extração do ouro foi inútil.
Vi o filme duas vezes e em ambas ouvi críticas em relação ao tamanho e ao ritmo do trabalho. Entretanto o que torna Serra da Desordem difícil é a triste constatação de como a ordem de nossa sociedade traz um progresso para poucos, extremamente restrito e inacessível para muitos do que trabalharam duro, sem receber nada de bom em troca.
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