Ainda em clima de Copa do Mundo resgato este longa de Ugo Giorgetti, lançado em 1998 e que retrata diversos estereótipos do futebol como o juiz subornado, bastidores de um clássico, cobranças da torcida, pensões que jogadores devem pagar para os filhos não planejados, etc. Tudo contado por velhos boleiros em uma mesa de bar, muitas vezes com clima saudosista do tempo em que o futebol não era tão assediado pelos homens de negócios.
A atuação dos coadjuvantes muitas vezes é ruim ao ponto de incomodar quem assiste, mas esse fato é compensado pelas histórias – engraçadas ou comoventes – e pela possibilidade de matarmos a saudade de Rogério Cardoso, interpretando um ex-árbitro e de Flávio Migliaccio, que dá um banho de interpretação com o fictício ex-craque Naldinho. Mais que as histórias apresentadas no filme, bastante claras e retomando pontos importantes do futebol, cabe aqui aproveitar o espaço que o filme abre para uma análise do futebol e sua força na sociedade, já que a estimativa foi de três bilhões de espectadores durante a última copa – cerca de 50% da população mundial.
Para o sociólogo alemão Norbert Elias, a sociedade canalizou para os esportes a atenção que antes era despendida às guerras. Sem entrar em pormenores da obra de Elias, podemos imaginar, ou pior, lembrar do que significa a metade dos seres humanos vivendo um ambiente de guerra, como em 1942 e 1946, quando a Copa não ocorreu devido à II Guerra. Não dá para dizer que não temos guerras devido ao futebol, tão pouco que os esportes são necessários para que as guerras não aconteçam, já que a prevenção destas na atualidade se dá por maturidade política e responsabilidade com a sociedade, ao invés da economia. Porém nem toda guerra tem o atual caráter de dominação, como mostrou Florestan Fernandes em seu estudo sobre a tribo dos Jês, onde a guerra não tinha a intenção de matar e dominar o próximo, mas fazia parte do cotidiano, quase como uma atividade lúdica. Sendo assim a atividade esportiva é fundamental, sendo o futebol a prática majoritária, que poderia ser substituída por qualquer outra modalidade – seriam mantidas as características positivas e negativas, as polêmicas, os estereótipos etc.
Em um evento como a Copa muitas divergências vêm à tona, e a grande maioria de forma recorrente ao longo de cada edição. Na mesma proporção que o patriotismo, que aflora durante um mês a cada quatro anos, aparece a indignação com a atenção dedicada a um evento supostamente sem utilidade prática. Mais que opiniões certas e erradas, chama a atenção o fato do futebol, apesar de estar no centro da discussão, ser coadjuvante para os argumentos. Que a alienação de grande parte da população existe, é inegável, mas acreditar que a Copa do Mundo, ou mesmo o futebol como um todo, seja protagonista deste fato é no mínimo inocente. No país do carnaval, o que nos diferencia das outras nações que idolatram o futebol é a recorrência de temas únicos que param o país. Emendando sucessivas datas supostamente importantes para que o povo esqueça temporariamente os problemas, agentes detentores do poder conseguem, de forma muito competente, adiar eternamente qualquer manifestação social contra absurdos políticos tão recorrentes, sendo o futebol apenas uma das ferramentas utilizadas, cuja a ausência pode ser substituída até pela notoriedade de crimes bárbaros.
Com tudo isso, o melhor a fazer diante da grandeza que se tornou uma partida de futebol é reconhecer o valor do espetáculo, capaz de entreter, divertir e gerar ótimas histórias de boteco, como podemos ver em Boleiros. Todavia a sociedade não se restringe aos campeonatos e para evitar que problemas tomem o lugar do lazer, inclusive no mundo do futebol, como apresentado em algumas histórias do filme, é indispensável que os horizontes sejam ampliados para além dos gramados, que têm papel importante, mas não central.
Não encontrei o trailer no Youtube (o que para mim é um grande absurdo), então segue um trechinho da primeira história.
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