quarta-feira, 1 de setembro de 2010

O Bem Amado

Guel Arraes apresenta sua versão para a obra de Dias Gomes quase quarenta anos após o lançamento da telenovela e trinta depois da série. Marco Nanini substitui Paulo Gracindo com muita competência na interpretação do político Odorico Paraguaçu, prefeito da fictícia Sucupira pouco antes do golpe militar que culminou nos vinte anos de ditadura no Brasil.

Evidentemente muita coisa mudou no cenário político do país, afinal ainda que alguns tentem indicar um suposto milagre econômico da referida época, o fato é que a economia crescia no mesmo ritmo da dívida externa, cujos desdobramentos, leiam-se arrocho da população para pagar juros aos credores, são sentidos até hoje. Porém é bastante preocupante pensarmos que algumas características do político caricaturado eram vistas como bem próximas da realidade quando retratadas por Dias Gomes e permanecem bem pertinentes até hoje.

Odorico é a figura imponente, de fala difícil, postura de superioridade e ao mesmo tempo promessas acolhedoras, seduzindo os eleitores com a falsa imagem de homem preparado e competente. Para isso conta com o despreparo do eleitor que não percebe as promessas mirabolantes e o discurso vazio por trás das palavras desconhecidas. As obras superfaturadas e as falcatruas protagonizadas pelo prefeito chegam a sofrer resistência de seu secretário, Dirceu Borboleta (Matheus Nachtergaele), porém a hierarquia o faz aceitar as ordens do político corrupto sem criar empecilhos.

O tom de comédia do filme, que vai desde a referência à surdez de Beethoven até expressões populares como “tauba de pirulito” nos faz lembrar que a comédia é utilizada para criticar a política desde a Grécia antiga, criadora do termo, oriundo das Pólis, e de obras teatrais encenadas até hoje, muitas vezes satirizando os políticos. O que torna curioso ver que para as eleições os programas de humor são proibidos por lei de fazer comédia com os candidatos – ainda que candidatos possam aparecer vestidos de palhaço alegando não saber o que faz um político que exerce o cargo pretendido.

Um elemento inovador na obra de Arraes em relação às que a inspiraram é a presença de um opositor supostamente de esquerda, mas que aos poucos também mostra o lado corrupto de quem almeja o poder, mais que o bem da população. Tonico Pereira faz o papel de Vladmir (a origem russa do nome não é obra do acaso, mas representa a URSS que na época protagonizava a guerra fria), dono do jornal de oposição que trabalha com o fotógrafo Neco (Caio Blat), que assim como o secretário do prefeito, tenta apresentar um pouco de lucidez ao superior diante das práticas condenáveis do mesmo, porém sempre esbarra na inferioridade de seu cargo.

Se a arte imita a vida o lado político não nos deixa muito animados, afinal reconhecemos em meio aos diálogos muito bem escritos do filme muitas situações verossímeis de corrupção, disputas políticas que beiram o ridículo, políticos despreparados, escândalos das mais diversas ordens e tantos outros exemplos. O que resta é torcer para que em um ponto específico do filme a vida imite a arte: quando economicamente a população é nivelada por baixo, com a grande massa ganhando quando muito o suficiente para sobreviver, mais eficiente que se vangloriar por pequenas ascensões e definições de nova classe média, escorraçando classes pouco mais baixas para se sentir próximo dos mais ricos, seria perceber que opressão sofrida pode ser derrubada através da união, para que o ganho real venha para todos ao invés de poucas migalhas para alguns.

Muito bom o equilíbrio entre a comédia e o espaço que proporciona à reflexão sobre o comportamento dos políticos.

* Recentemente uma liminar passou a permitir que os programas humorísticos façam sátiras aos candidatos, isso depois de treze anos da criação da lei que os proibia!


Um comentário:

Anônimo disse...

Ótimo artigo! Muito esclarecedor!

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...