terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Juan de los muertos

Trabalhar o tema terror em forma de comédia, permeando a história com críticas sociais e políticas. Assim se desenvolveu este trabalho do diretor Alejandro Brugués. Os zumbis, que costumam ser assassinos assustadores, aqui não escapam de trapalhadas e bom humor, que inevitavelmente podem ser analisados com um viés crítico em relação à particularidade política da ilha cubana.

Zumbis no filme são dissidentes. Essa também é a forma como são chamados os cubanos contrários ao regime político e simpatizantes dos Estados Unidos. Não é por acaso que a metáfora é feita com mortos-vivos, que não possuem senso crítico e vivem em função de comer o cérebro dos cidadãos cubanos.

É para combater essa ameaça que entra em cena o protagonista Juan (Diaz de Villegas). O ‘João dos mortos’ dizia com orgulho ter sobrevivido ao Mariel, ao período especial e a tudo o que veio depois.

O porto do Mariel ficou famoso em 1980. Sim, já existia bem antes da imprensa atual afirmar que o governo brasileiro o construiu. Recentemente o porto foi reformado com financiamento do BNDES, mas sua relevância histórica foi quando serviu de embarque para o êxodo de cubanos insatisfeitos, que migraram para Miami.

Já o período especial foi na década de 90, após o fim da União Soviética e consequente redução das relações comerciais com Cuba. Devido ao embargo imposto pelos Estados Unidos, o comércio com a URSS era o principal sustento da ilha, que passou por sérios problemas econômicos, com muitos apostando no fim do regime castrista, que como bem sabemos, não ocorreu.

Em paralelo com a história cubana desde a revolução, Juan e seus amigos estão sob constante ataque, o que não impede que os problemas sejam combatidos com coragem, bom humor e uma dose de improviso capaz de fazer o jeitinho brasileiro parecer uma solução formal.

Cuba nunca chegou a ser comunista. A própria existência de um governante já contradiz a definição filosófica de comunismo, que por sua vez é bem diferente da superficialidade com que é abordada pela mídia. Desta forma, não é a busca dos cubanos por dinheiro e consumo que provaria um suposto fracasso do regime.

A estatização dos meios de produção faz com que a economia da ilha seja bastante peculiar. Um verdadeiro ponto fora da curva de capitalismo desenfreado dos demais países. Mas cabe ressaltar que o filme é de 2011, quando o governo passou a autorizar a abertura de pequenos negócios particulares.

Juntando a criatividade com a necessidade e o senso de oportunidade, Juan resolve atuar profissionalmente na destruição dos zumbis, oferecendo seu serviço de forma bastante objetiva: "matamos seus entes queridos". O fato de o protagonista abrir seu próprio negócio com o objetivo de ganhar dinheiro não significa que ele tenha mudado para o outro extremo do falso dualismo que costuma ser estabelecido quando se fala sobre a ilha.

Juan não pensa em ser um empresário bem sucedido, investindo toda sua vida em seu novo empreendimento que lhe garantirá uma fortuna. Um dos motivos que ele alega para nunca ter tentado migrar para Miami é exatamente a recusa em ter uma vida voltada ao trabalho, em detrimento dos prazeres.

Entre vários absurdos cômicos que vemos ao longo do filme está a súbita demolição de um edifício, que bloqueava o sol e atrapalhava a vista. Essas nuances do comportamento social, que valoriza a vida para além de seu comprometimento profissional e não se envergonha de deitar em uma cobertura para tomar sol enquanto, de forma alegórica, os dissidentes tentam dominar a cidade, talvez sejam a maior marca de Cuba em relação ao resto do mundo.

O orgulho de Juan ao ter sobrevivido à Mariel, ao período especial e a disposição de encarar o que vier não está na devoção aos irmãos Castro, nem ao apoio filosófico do comunismo. Associar os misteriosos zumbis aos dissidentes para em seguida colocar a icônica imagem de Che Guevara como um dos mortos-vivos mostra como não há devoção ao regime político.

Bem mais provável é que o laço de Juan com Cuba se forme graças à identificação com um estilo de vida voltado ao indivíduo, ao invés de uma existência baseada no trabalho como única forma de ascensão. Uma vez sanada as necessidades básicas – que podem ser uma garrafa de rum e algo simples para comer – não há motivo para continuar vendendo a própria força de trabalho até a existência do indivíduo seja reduzida a um morto-vivo caçando cérebros.


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