quarta-feira, 18 de maio de 2011

Viajo porque preciso, volto porque te amo

Neste longa o cearense Karin Aïnouz grava seu road-movie por estradas do nordeste. Talvez um dos motivos do filme ter tido grande repercussão nos festivais internacionais foi o cenário pouco convencional, pois os caminhos percorridos não passam por pontos turísticos ou pelas paisagens deslumbrantes que a região possui, mas pela terra seca, árida e esquecida, por onde espalham-se pequenos vilarejos cujas carências são ilimitadas e os estrangeiros pouco conhecem.

No Brasil o filme também teve grande sucesso, mas também foram muitas as críticas repetitivas sobre a temática supostamente esgotada das mazelas do nordeste. Tais críticas são infundadas, não só pela temática do filme ser diversificada ao invés de restrita aos problemas, mas também pelo fato de que nenhuma denúncia em relação ao descaso com a população local surtiu efeito. É possível afirmar que em se tratando de problemas sociais, o tema só está saturado após a resolução definitiva do problema.

A característica fundamental que o torna bastante particular entre as obras de estilo road-movie é a ausência de personagens, pois até mesmo o protagonista restringe-se a narrativa de José Renato (Irandhir Santos) que apresenta sua viagem de um mês a trabalho, geralmente em tom de relato para sua “galega”. Retomando a tradição da literatura modernista de guiar a obra através de um funcionário público, o geólogo fornece alguns aspectos técnicos do seu trabalho, que visa a análise do solo para a construção de um canal hidrográfico, e apesar de não citar nominalmente, a referência é a transposição do rio São Francisco. Pensando na relação entre estado e população, é curioso ver a disparidade entre o poder das classes mais altas, que em uma cidade como São Paulo têm o poder de influenciar os locais onde devem ou não ser construídas estações de metrô, e a impotência de cidadãos em condições sub-humanas, que são enxotados de uma situação já precária para que a terra em que vivem seja inundada em nome de um suposto progresso, que, conforme a história nos indica, beneficiará apenas grandes fazendeiros.

O cenário encontrado por José Renato é degradado e os moradores retratados vivem em meio ao nada. É possível que a construção de um canal conforme o sugerido traga algum benefício ao local, afinal não é difícil beneficiar uma população tão sofrida, porém as demandas por escolas, hospitais, lazer, ou seja, atenção e cidadania são latentes e não podem esperar até que uma obra faraônica seja concluída para, talvez, serem sanadas. É evidente que uma população sem opções de cultura buscará alternativas ao invés de conformar-se com o descaso, e as opções costumam restringir-se ao bar, à prostituição na beira da estrada com profissionais degradadas e, para finalmente ter um pouco de arte, ao velho circo que se esforça para seguir com as apresentações. A passividade diante dos problemas é indicada quando o personagem começa a elaborar uma crítica, mas rapidamente conclui dizendo que não está lá para isso e sim para a conclusão do relatório sobre o solo.

Outro viés do filme faz referência à segunda parte do título, pois ao viajar pela necessidade do trabalho o protagonista conta, desde o início, os dias e as horas para rever sua amada. O que surpreende, e desencanta os mais românticos, é que apesar do título bastante chamativo, um dos fatores que mais incentivou a viagem de José Renato foi o fim do relacionamento – que é revelado rapidamente, portanto não é nenhuma grande surpresa – que força o protagonista a se afastar do problema na tentativa, frustrada, de esquecê-lo. A ficção do funcionário público que, como tanta gente, busca na viagem a simbologia de afastar-se de um problema na ilusão de esquecê-lo e na esperança de que tudo esteja resolvido na volta, é mesclada com a realidade do depoimento de alguns moradores, revelando a solidão que gera uma angústia até inconsciente.

Aquele que no início conta as horas para voltar e relata o serviço adiantado, com o tempo desanima, atrasa e bate de frente com a falta de opção. A viagem torna-se chata, cansativa, repetitiva em um cenário que independente da quilometragem percorrida é sempre o mesmo; mas qual a alternativa, se voltar implica em encarar a dor do relacionamento interrompido? Em um dilema bastante parecido estão os moradores entrevistados, pois assim como o personagem, eles relatam uma vida dura, a esperança de melhora, mas no contexto em que estão inseridos fica a mesma dúvida, qual a alternativa para sair de uma condição tão hermética, que reduz a pluralidade humana a um destino quase pré-estabelecido?

A morosidade indicada pelos que não estão habituados ao dito “cinema de arte” é compreensível, até pela estrutura do filme fugir muito ao habitual, mas uma das técnicas de montagem do cinema é adequar o ritmo da obra para que fique condizente ao vivido pelos personagens, assim, acompanhando um pouco da viagem de José Renato, vemos que o filme não poderia ser diferente.


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