terça-feira, 29 de setembro de 2015

Dois dias, uma noite (Deux jours, une nuit)

Os irmãos Jean-Pierre Dardenne e Luc Dardenne trazem às telas dois problemas que tendem a ficar cada vez mais comuns em nossa sociedade. Um deles é a depressão, que cresce a passos largos como um dos transtornos mais comuns entre as pessoas; o outro é o conflito de interesses no ambiente de trabalho, sem que este seja isento da influência da depressão.

O filme tem início com o fim da licença da protagonista Sandra (Marion Cotillard), que se afastou do emprego por estar deprimida. Ao invés de retomar seu cargo, os diretores da empresa chegaram à conclusão de que uma funcionária a menos não faria falta, de forma que os demais empregados votariam pela manutenção de Sandra ou um bônus de mil Euros – ficando implícito que alguém poderia ser demitido posteriormente, já que a produção poderia ser mantida sem um dos funcionários.

O estado de saúde de Sandra é complexo. A medicina está distante de um tratamento e diagnóstico precisos em relação aos distúrbios que levam à depressão, ou seja, não é algo que se mede através de um exame e mesmo os medicamentos têm efeitos variáveis de uma pessoa para a outra. A aptidão de um deprimido, portanto, é extremamente subjetiva e seu estado pode oscilar muito rapidamente.

Essa alternância no estado de ânimo vai se manifestar várias vezes no desenrolar da história, pois graças à insistência de Sandra e uma outra funcionária, o chefe aceitou realizar nova votação. Assim ela terá o fim de semana para falar com seus amigos e tentar fazer com que mudem de opinião, para conseguir maioria dos dezesseis votos.

Todo mundo gostaria de receber mil Euros, ainda mais com crises econômicas em ciclos cada vez mais curtos, e vemos como cada um dos funcionários têm seus motivos para votar pelo dinheiro. Alguns dão uma justificativa mais fria, outros instigam nossa compreensão, mas os discursos sempre estimulam algumas conclusões.

Abordados de forma mais superficial, podemos notar diversos temas permeando a vida dos personagens, como a imigração ilegal, machismo ou mesmo uma necessidade material, que em perspectiva podem ser facilmente classificada como menos importante que o emprego de Sandra, mas não temos elementos para julgar uma decisão pelo dinheiro sem conhecer os personagens de forma mais profunda.

Em nenhum momento devemos nos esquecer da condição psicológica da protagonista. Se chegou ao ponto de precisar de uma licença, sua depressão atingiu um nível elevado e a recente recuperação não implica em uma condição totalmente livre dos sintomas. A forma com que cada pessoa lida com os sintomas é muito variável e, no caso de Sandra, cada pequeno entrave é visto como um grande obstáculo intransponível, que a aproxima do estado deprimido.

A tendência pessimista de quem vive uma crise faz com que pequenos tropeços sejam encarados como a prova de que estão certos ao imaginarem que não são capazes. É uma espécie de situação invertida, ao invés de terem a noção de que estão vendo o mundo sob o véu da depressão, os deprimidos têm a ideia de que durante a manifestação dos sintomas estão finalmente enxergando a realidade sem distorções.

Somada a esse agravante, temos uma situação de concorrência interna inerente ao capitalismo. A amizade construída em um ambiente de trabalho em que os funcionários desempenham a mesma função pode facilmente esbarrar na disputa por uma vaga na empresa.

Tem se tornado cada vez mais comum as corporações adotarem um discurso demagógico de que estimulam o bem-estar e as relações amistosas entre os empregados, entretanto essa suposta cooperação deve ser em prol dos interesses econômicos dos empregadores, que adotam o velho discurso de que melhores resultados trarão benefícios para todos na empresa.

A partir do momento que os funcionários se organizam visando um benefício da categoria, o discurso é alterado. No filme, por exemplo, a opção do bônus parece tentadora e talvez até justa para alguns, porém sem dúvida a quantidade de trabalho passa a ser maior para cada um e a falta de consideração por parte da empresa que demite uma funcionária debilitada, ao invés de oferecer auxílio psicológico, poderá no futuro ser estendida a qualquer outro empregado.

A falta de empatia e muitas vezes o egoísmo dos personagens não se restringem ao filme, nem podem ser atribuídos exclusivamente à personalidade de cada um. A concorrência ilimitada é um fator real, percebido em muitas empresas, que pode afetar o desempenho do trabalhador de diversas formas. Quando a hostilidade de um local de trabalho encontra uma pessoa deprimida, ou potencialmente depressiva, o resultado para a empresa pode ser somente a necessidade de reposição de um funcionário, para o qual resta seguir em frente com mais um problema a ser resolvido.


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