terça-feira, 29 de março de 2016

Na natureza selvagem (Into the Wild)

Não é somente atuando que Sean Penn mostra seu grande talento. Dessa vez como diretor, ele adaptou para as telas o romance de Jon Krakauer, inspirado na história real do protagonista, aproveitando com muita competência os recursos gráficos do cinema para nos apresentar a vida do jovem Christopher McCandless (Emile Hirsch).

Recém-formado e tendo uma família de classe média norte-americana, Christopher teria tudo para seguir uma espécie de roteiro padrão para os jovens de seu círculo social. Bastaria aceitar o carro novo oferecido pelos pais, arrumar um emprego e em poucos anos estaria com uma família estável. É o sonho de muita gente.

Claro que se esse roteiro tivesse sido cumprido, dificilmente a vida do protagonista renderia um filme. O mais provável é que fosse um padrão nada atrativo. E Christopher deixa claro que não é nada disso que vislumbra para seu futuro, desde o carro velho que ele opta por manter – para espanto dos pais, que queriam um carro novo para o filho, sem perceber que no fundo esse desejo era só deles – até a decisão de iniciar uma viagem sem rumo, ele busca novidades em cada detalhe de sua vida.

Ainda que inspirado em fatos reais, a história acaba ganhando tons de uma alegoria. Rompendo completamente com o passado o protagonista adota a identidade de Alexander Supertramp e simplesmente some, sem dar notícia aos pais e sem a menor noção de como faria para se manter. Se a ideia de viver para corresponder às expectativas de uma vida voltada ao trabalho e acumulação é um extremo a ser combatido, a vida do agora Alex está no outro extremo, a princípio mais atrativo, mas que evidentemente também acaba trazendo dificuldades cedo ou tarde.

Muita gente vê um filme desses contendo a vontade de seguir os mesmos passos desnorteados de Alex e normalmente as desculpas para procrastinar a aventura são na verdade um conforto pessoal, para não admitir que gostaríamos de uma mudança radical de vida, mas dificilmente estamos dispostos a abrir mão do conforto que nossa rotina – seja qual for – nos oferece.

Não é nada agradável carregar uma mochila de uns 15kg nas costas para todo lado, levando todos os seus pertences. Isso significa muita coisa para carregar e pouca coisa para dar conta de todas as necessidades que temos, afinal, Alex não tinha dinheiro, nem uma conta da qual pudesse sacar uma quantia que suprisse ao menos alguma necessidade básica.

O que sem dúvida estimula o personagem a seguir sua jornada, que em pouco tempo ganha o Alaska como meta, são as pessoas que cruzam seu caminho, que deixam marcas e que levam suas marcas, fazendo com que todo o esforço seja recompensado de alguma forma. Nos encontros ao longo da estrada é que os viajantes podem criar seus laços, que por mais efêmeros que possam parecer, têm na sinceridade a vantagem insuperável pelas relações cotidianas.

As amizades feitas em uma viagem são imediatas e intensas. Não precisam aguardar pelo happy hour da sexta-feira para poder vivenciar sentimentos e estes não precisam ser contidos com receio do expediente profissional da próxima segunda-feira. Ao longo de uma viagem, talvez por uma identificação de estilo de vida ou quem sabe por uma efemeridade quase inevitável, o que se preza é a plenitude daquele momento, sem espaço para problemas desnecessários.

Se por um lado a ideia do filme não é fazer com que todos abandonem suas obrigações e saiam pelo mundo com uma mochila nas costas, por outro fica claro que não é necessário esse extremo para viver emoções únicas, que só o contato com o inesperado pode proporcionar.

Entre o rompimento total com qualquer tipo de laço e uma vida previsível e burocrática existe uma infinidade de estágios que podem ser aproveitados conforme os recursos e disposição de cada um. Viagens sempre tem algum imprevisto meio desagradável, um problema que pode dar um pouco mais de trabalho para ser contornado, porém depois de pouco tempo o que realmente marca é o acréscimo pessoal, inevitável quando se conhece novos lugares e novas pessoas.

O filme faz com que Alex nos ensine por meio de extremos. É uma forma interessante de nos alertar para o que devemos fazer e o que devemos evitar. Mergulhar no desconhecido envolve riscos, que devem ser ponderados, mas não usados como escudo para uma vida desnecessariamente limitada e curta.

O mundo é grande, as pessoas são múltiplas. Restringir tudo a um escritório e meia dúzia de contatos evitará diversos perigos, mas oferecerá em troca as emoções de uma gaiola pequenina.


2 comentários:

Unknown disse...

Amei seus comentários, sem extremos, a estória do Chris realmente nos inspira, no entanto cada um é um universo e deve buscar sua própria aventura seja ela na natureza ou na cidade.

Alexandre disse...

Obrigado pela visita e pelo comentário, Cristiane! Fico feliz que tenha gostado. Às vezes eu também viajo sozinho (longe de ser como o personagem do filme) então acho que acabei trazendo um pouco disso para o texto tb! =)

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