quinta-feira, 7 de maio de 2009

FilmeFobia


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FilmeFobia, de Kiko Goifman, estreou em São Paulo em apenas uma sala após receber o prêmio de melhor filme no 41º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. Mais uma vez temos pouca atenção voltada a um trabalho nacional que não é uma obra prima do cinema brasileiro, mas chama a atenção pela inovação e questões um tanto polêmicas. Apesar das dificuldades habituais de levar um filme às salas de cinema e atrair o público, devemos ressaltar o bom trabalho de divulgação que estimulou o público a interagir, mandando fotos pessoais com os flyers do filme e instigando a curiosidade de todos.

Trata-se de um documentário fictício que mescla representações e filmagens de cenas reais mostrando pessoas diante de suas fobias. A ideia do diretor é exatamente causar desconforto em quem assiste e para isso a montagem das cenas é estruturada de forma a sugerir que se trata do making off de um documentário. O diretor fictício é Jean-Claude Bernadet, que faz papel homônimo mostrando debates por trás de um documentário real. São abordadas questões de ética – afinal colocar pessoas diante de seus maiores medos, ainda que com consentimento das mesmas, é sempre polêmico –, dúvidas em relação às filmagens que de fato aparecem no trabalho, sobre o impacto das imagens, a veracidade das reações, a melhor forma de apresentar as filmagens ao público, etc.

Goifman, o diretor real, já esperava pela repercussão do trabalho com diversas interpretações questionáveis. A princípio as duras críticas frustraram o diretor, antes da consagração do Festival de Brasília. Nos EUA muitos deixaram o cinema durante o filme, suas cenas foram vaiadas e acusadas de tortura. Sem querer misturar a opinião da população com uma postura do antigo governo, após as práticas norte-americanas em Guantánamo ao longo do governo de George Bush é curioso esta indignação deles com um filme.

De fato algumas cenas são bastante fortes, pois primeiramente o filme não trata de medo, mas de fobia, um receio mórbido, persistente e incontrolável. Além disso, os fóbicos não são simplesmente expostos ao seu temor, mas amarrados para não poderem fugir e, portanto, forçados a encarar o que abominam. Até aqui o termo tortura parece pertinente, só não podemos esquecer de que todos concordaram em participar, sabiam que seriam amarrados e levados a condições extremas. O próprio diretor participa das filmagens e desmaia algumas vezes ao enfrentar sua fobia de sangue.

Com todas as dificuldades expostas surgem as questões: qual o interesse de filmar alguém nessas condições e, talvez mais intrigante, o que leva alguém a sujeitar-se a isso?

Pois bem, segundo o diretor "a única imagem verdadeira é a de um fóbico diante de sua fobia" e essa ideia é seguida ao longo do filme – que por mesclar realidade com ficção, torna difícil distinguir o que é encenado e o que é real. A afirmação é questionável uma vez que a reação pode sim ser representada por bons atores, principalmente com algumas técnicas teatrais de Stanislaviski, e isso chega a ser admitido ao longo da obra, mas vemos também que quando a fonte de fobia é apresentada ao fóbico, ainda que este tente manter o controle, isso não é feito por muito tempo e logo a pessoa reagirá da forma mais espontânea possível – seja desmaiando, entrando em um estado de histeria ou simplesmente travando, tal qual uma presa diante de um predador. Neste ponto o longa é bem interessante por mostrar as diversas reações, ainda que algumas possam ser encenadas.

E para quem sofre com a fobia podemos supor – e o filme nos ajuda a isso – que há uma explicação plausível a essa exposição ao seu ponto mais fraco. O medo é completamente normal e necessário para qualquer pessoa, mas, como já citado, a abordagem não é o medo, mas a fobia que pode colocar qualquer um em uma situação constrangedora por não ter controle sobre as próprias reações. Vários exemplos são citados na obra desde os mais comuns como cobras, altura e sangue até os mais inusitados como ralos e botões, cuja exibição inevitavelmente gera certo humor àqueles que não têm problemas em abotoar as camisas.

Podemos concluir que certas fobias são facilmente contornáveis e basta que o fóbico mantenha sua distância, mas muitas vezes o pavor diante de situações cotidianas não pode ser simplesmente evitado ou ignorado. Enfrentar o objeto que causa tanta repulsa pode ser uma tentativa de superar traumas que causam limitações, constrangimento e vários outros problemas. Fica aqui a principal crítica ao filme que é a falta de respostas diante das experiências. Não há entrevistas posteriores nem algum outro tipo de exibição do resultado do enfrentamento da fobia pelo fóbico, portanto não sabemos se houve resultado positivo ou se algumas cenas aumentaram a necessidade de terapia.


2 comentários:

Anônimo disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
Anônimo disse...

Ficou muito bom este seu artigo.
E cadê o do filme do Che? ;)
Lembrei-me dessa música do Raul...

"Conserve seu medo, mantenha ele aceso.
Se você não teme, se você não ama, vai acabar cedo.
Esteja atento ao rumo da história,
Mantenha em segredo, mas mantenha viva sua paranóia.
Conserve seu medo, mas sempre ficando sem medo de nada.
Porque dessa vida, de qualquer maneira não se leva nada.
Ande para frente, olhando para o lado.
Se entregue a quem ama, na rua ou na cama, mas tenha cuidado."

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