segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

O abraço corporativo

O documentário dirigido pelo jornalista Ricardo Kauffman começa com a apresentação de Ary Itnem, a princípio mais um consultor de RH que vai da psicologia à auto-ajuda através do “abraço corporativo”. Supostamente a técnica consiste em eliminar o afastamento dos companheiros de trabalho, proporcionado pela tecnologia excessiva, através de abraços entre funcionários.

Em meio a tantos consultores de RH que investem em técnicas alternativas para melhorarem os resultados de empresas o Sr. Ary Itnem conseguiu seu espaço e foi alvo de grandes veículos de comunicação, concedeu entrevistas para revistas, rádios e expôs sua técnica em programas de TV. Tudo plausível, não fosse pelo fato de Ary Itnem não ser nada mais que o bom e velho picareta! Encenado pelo ator Leonardo Camillo, o consultor foi uma invenção de Kauffman que nos mostra por um lado a fragilidade das pautas da imprensa – já que muitas vezes os repórteres vão às ruas apenas para ratificar o que já foi concluído na redação – e por outro o poder de convencimento da mídia.

O longa não aborda nenhuma forma de controle dos veículos de comunicação, mas com o crescimento do discurso dos que valorizam o controle social da mídia, é possível que o trabalho de Kauffman abra discussões interessantes neste sentido. A liberdade de imprensa é indiscutivelmente fundamental e este argumento é a base dos que bradam contra qualquer tipo de controle, porém podemos associar este fato com uma das frases criadas pelo personagem Ary Itnem: “tudo não é verdade”. Ou seja, a liberdade de imprensa deve ser ilimitada, mas o que acontece quando essa liberdade proporciona a ampla divulgação de uma mentira?

O objetivo do documentário não é difamar os veículos ou os profissionais que deram atenção ao consultor inventado, essa é apenas uma invenção que ganhou certa projeção nacional sem grandes consequências, e qualquer trabalho mais dedicado revelaria a fraude, que chegou a ser registrada em cartório por Kauffman. O problema é que com a mesma facilidade com que Ary Itnem foi apresentado equivocadamente como profissional, qualquer mentiyra pode ser trabalhada intencionalmente pelos detentores dos meios de comunicação para ludibriar a população.

É claro que difundir um boato como verdade não é fácil e costuma prevalecer a velha máxima de que a mentira tem perna curta, mas imaginemos que para aquecer a economia um estado estabeleça entre a população o medo de ser atacado por armas químicas, justificando assim um ataque militar ao detentor de tais armas. Quando a farsa for revelada é possível que o estrago já esteja feito.

Não precisamos chegar a um exemplo tão extremo, basta pensarmos que em uma disputa presidencial a mídia talvez tenha o poder de implicitamente guiar as campanhas presidenciais ressaltando temas pessoais, como religiosidade, ao invés de propostas de governo que de fato terão influência sobre a população.

Como dito acima, o filme não tem esse viés e seu foco concentra-se na crítica à forma como os editoriais buscam as matérias, pressionados por uma série de fatores que somados levam à falta de rigor na análise dos fatos. A necessidade de produzir conteúdo é cada vez maior e se intensificou muito após a popularização dos portais de notícias virtuais, além da pressão exercida pela concorrência, pois se um grande veículo apresenta um furo de reportagem os demais buscarão suas fontes, nem sempre fidedignas, para apresentar sua versão dos fatos o quanto antes.

A associação com o controle social da mídia, que já existe em diversos países democráticos, é um desdobramento possível do que Ricardo Kauffman apresenta, pois é um tema relativamente obscuro que a mídia – não por acaso – não faz a menor questão de esclarecer, optando geralmente por fazer a falsa associação do controle social à censura de conteúdo, que é evidentemente inaceitável – tão inaceitável quanto esconder-se atrás do discurso em prol da liberdade para divulgar matérias no mínimo capciosas.


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