O diretor David Cronenberg traz às telas sua versão para a
obra de Christopher Hampton, que mostra um pouco da genialidade de Sigmund
Freud (Viggo Mortensen) e Carl Jung (Michael Fassbender), cuja aptidão para
compreender os enigmas da mente humana não impediu que a vaidade e preciosismo
de ambos se tornassem empecilho para o desenvolvimento das pesquisas na área da
psicanálise.
É notória a dificuldade de aplicar o rigor de um método
científico sobre um objeto tão multifacetado quanto à psique humana. Por mais
que a epistemologia defina certos limites e regras, o próprio pesquisador está
sujeito a surpresas, tanto provenientes do paciente quanto de seus próprios
sentimentos, que podem fugir do controle – nem sempre de forma perceptível –
fazendo com que as mais brilhantes mentes fiquem suscetíveis aos imprevistos.
Desta forma Sabina Spielrein (Keira Knightley) ganha destaque
na história (da psicanálise, portanto do filme), ao se tornar primeiramente
paciente de Jung, para depois contrariar toda metodologia do psicanalista e vir
a ser sua amante. Cada personagem do filme mereceria um longa com a própria
história e Sabina não é diferente. A começar pela atuação impecável, capaz de
encenar toda a angústia, desespero, medo e insegurança da personagem, que nos
faz pensar sobre algumas posturas atuais diante de pessoas com supostas
patologias.
O tratamento de Sabina, que se mistura com experiências para
as teorias de Jung, consiste a princípio de atenção e respeito. Não há grandes
intervenções por parte do psicanalista além de dar ouvidos aos relatos
angustiados de sua paciente e encarar seus desabafos com a clareza de quem
enxerga um potencial de cura, ao invés de menosprezo a um problema que, para
quem não o tem, pode parecer menor. Pode ser uma conduta elementar, não somente
para quem cuida de um paciente, mas para qualquer um que ouça um relato, mas a
prática nem sempre é tão evidente, sendo que problemas negligenciados são mais
frequentes do que possa parecer.
Por parte de Freud e Jung é interessante notar os debates
sobre a gênese de uma teoria psicanalítica, em uma fase em que esta área ainda
não havia sido inundada pela indústria farmacêutica, prometendo remédios
milagrosos até mesmo para males que não necessitam de intervenções químicas.
A beleza da ciência desenvolvida e tão bem apresentada no
filme é que seus estudos inevitavelmente caminham no incerto. É necessário vagar
pelo estreito e tortuoso caminho formado entre a lucidez e a loucura, lidando
com a tendência inconsciente dos pacientes de manipular certos sintomas, além
do próprio olhar possivelmente viciado do psicanalista, que deve ser dominado.
Como se toda essa dificuldade não fosse suficiente, as
inúmeras variáveis contidas em cada indivíduo ainda estão imersas em um
contexto social, fundamental na constituição da personalidade e com um
potencial enorme para agravar certas tendências de comportamento, ou seja,
determinadas vontades e desejos podem não ter nada de patológico, mas por ser
algo socialmente recriminado, qualquer um pode acreditar piamente em um
distúrbio pessoal e até mesmo agir no sentido de corroborar esta crença.
Desfazer esse emaranhado de influências, que podem causar
sérios danos ao paciente, nem sempre é tarefa fácil. Ainda que para quem
analise um paciente a solução de seus problemas seja simples, quem vive em meio
ao caos dos próprios problemas costuma oferecer grande resistência às mudanças;
em outros casos os sinais fornecidos pelos pacientes e passíveis de análise são
complexos e confusos para o psicanalista.
Jung, a quem o filme dá mais destaque, via em Freud uma
grande fonte de saber e alguém em quem se espelhar; ao menos até ganhar
notoriedade no meio acadêmico e ser tocado pela vaidade da própria fama. Já
Freud reconheceu logo, no jovem que buscava auxílio, um sucessor para suas
teorias, pois já fazia ideia do impacto de suas ideias sobre a psicologia. O
trabalho em conjunto, recorrente entre os profissionais que frequentemente
precisam de uma segunda opinião sobre determinado caso, tinha tudo para ser
extremamente produtivo e benéfico, porém as mesmas influências que agem sobre a
psique de um paciente atuam também sobre os analistas, tendo a vaidade um
grande potencial de destruição.
Difícil dizer quanto o rompimento dos dois pesquisadores
influenciou na psicanálise, mas ao longo da história não faltam exemplos de
mentes brilhantes que esbarraram no próprio ego. Entre erros e acertos do
método exibido no filme fica a sensação de algo talvez perigoso, pelos
percalços exibidos, mas também a admiração pelo esforço do desenvolvimento de
um trabalho psicanalítico livre de medicamentos, cuja eficiência costuma ser
duvidosa, e baseado na atenção e respeito aos relatos dos pacientes, fato que
nem sempre vemos nos consultórios de hoje.
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