quinta-feira, 3 de maio de 2012

Um método perigoso (A dangerous method)


O diretor David Cronenberg traz às telas sua versão para a obra de Christopher Hampton, que mostra um pouco da genialidade de Sigmund Freud (Viggo Mortensen) e Carl Jung (Michael Fassbender), cuja aptidão para compreender os enigmas da mente humana não impediu que a vaidade e preciosismo de ambos se tornassem empecilho para o desenvolvimento das pesquisas na área da psicanálise.

É notória a dificuldade de aplicar o rigor de um método científico sobre um objeto tão multifacetado quanto à psique humana. Por mais que a epistemologia defina certos limites e regras, o próprio pesquisador está sujeito a surpresas, tanto provenientes do paciente quanto de seus próprios sentimentos, que podem fugir do controle – nem sempre de forma perceptível – fazendo com que as mais brilhantes mentes fiquem suscetíveis aos imprevistos.

Desta forma Sabina Spielrein (Keira Knightley) ganha destaque na história (da psicanálise, portanto do filme), ao se tornar primeiramente paciente de Jung, para depois contrariar toda metodologia do psicanalista e vir a ser sua amante. Cada personagem do filme mereceria um longa com a própria história e Sabina não é diferente. A começar pela atuação impecável, capaz de encenar toda a angústia, desespero, medo e insegurança da personagem, que nos faz pensar sobre algumas posturas atuais diante de pessoas com supostas patologias.

O tratamento de Sabina, que se mistura com experiências para as teorias de Jung, consiste a princípio de atenção e respeito. Não há grandes intervenções por parte do psicanalista além de dar ouvidos aos relatos angustiados de sua paciente e encarar seus desabafos com a clareza de quem enxerga um potencial de cura, ao invés de menosprezo a um problema que, para quem não o tem, pode parecer menor. Pode ser uma conduta elementar, não somente para quem cuida de um paciente, mas para qualquer um que ouça um relato, mas a prática nem sempre é tão evidente, sendo que problemas negligenciados são mais frequentes do que possa parecer.

Por parte de Freud e Jung é interessante notar os debates sobre a gênese de uma teoria psicanalítica, em uma fase em que esta área ainda não havia sido inundada pela indústria farmacêutica, prometendo remédios milagrosos até mesmo para males que não necessitam de intervenções químicas.

A beleza da ciência desenvolvida e tão bem apresentada no filme é que seus estudos inevitavelmente caminham no incerto. É necessário vagar pelo estreito e tortuoso caminho formado entre a lucidez e a loucura, lidando com a tendência inconsciente dos pacientes de manipular certos sintomas, além do próprio olhar possivelmente viciado do psicanalista, que deve ser dominado.

Como se toda essa dificuldade não fosse suficiente, as inúmeras variáveis contidas em cada indivíduo ainda estão imersas em um contexto social, fundamental na constituição da personalidade e com um potencial enorme para agravar certas tendências de comportamento, ou seja, determinadas vontades e desejos podem não ter nada de patológico, mas por ser algo socialmente recriminado, qualquer um pode acreditar piamente em um distúrbio pessoal e até mesmo agir no sentido de corroborar esta crença.

Desfazer esse emaranhado de influências, que podem causar sérios danos ao paciente, nem sempre é tarefa fácil. Ainda que para quem analise um paciente a solução de seus problemas seja simples, quem vive em meio ao caos dos próprios problemas costuma oferecer grande resistência às mudanças; em outros casos os sinais fornecidos pelos pacientes e passíveis de análise são complexos e confusos para o psicanalista.

Jung, a quem o filme dá mais destaque, via em Freud uma grande fonte de saber e alguém em quem se espelhar; ao menos até ganhar notoriedade no meio acadêmico e ser tocado pela vaidade da própria fama. Já Freud reconheceu logo, no jovem que buscava auxílio, um sucessor para suas teorias, pois já fazia ideia do impacto de suas ideias sobre a psicologia. O trabalho em conjunto, recorrente entre os profissionais que frequentemente precisam de uma segunda opinião sobre determinado caso, tinha tudo para ser extremamente produtivo e benéfico, porém as mesmas influências que agem sobre a psique de um paciente atuam também sobre os analistas, tendo a vaidade um grande potencial de destruição.

Difícil dizer quanto o rompimento dos dois pesquisadores influenciou na psicanálise, mas ao longo da história não faltam exemplos de mentes brilhantes que esbarraram no próprio ego. Entre erros e acertos do método exibido no filme fica a sensação de algo talvez perigoso, pelos percalços exibidos, mas também a admiração pelo esforço do desenvolvimento de um trabalho psicanalítico livre de medicamentos, cuja eficiência costuma ser duvidosa, e baseado na atenção e respeito aos relatos dos pacientes, fato que nem sempre vemos nos consultórios de hoje.


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