O diretor Francis Lawrence nos apresenta um filme que vai muito além da história de amor, situada no universo circense. Repleto de metáforas relacionadas ao período histórico no qual está inserido, o roteiro abre espaço para muitas reflexões e ensina muito sobre a sociedade americana.
A história se desenvolve na década de 30, época em que o país todo lutava para superar a crise econômica, que marcou o período como sendo de grande depressão. As oscilações na economia eram sentidas diretamente no circo, que frequentemente passava por dificuldades, ainda que durante as crises as atividades lúdicas ganhem destaque por aliviar um pouco a tensão do cotidiano.
Mas a atuação do circo como metáfora supera o simples entretenimento do público. Seu funcionamento indica um pouco sobre a forma com que os EUA se reergueram economicamente. August (Christoph Waltz), o proprietário do circo, é a imagem clássica do capitalista, pois mesmo que o circo não seja uma indústria que produz bens de consumo, seu dono explora o trabalho alheio para enriquecer, oferecendo em troca no máximo algumas migalhas, ou nem isso.
Sobretudo nos períodos de grande crise, nos quais os empregos são raros e a subsistência ainda mais difícil, é bastante comum que as pessoas adotem o princípio de salvar a própria pele, ou seja, primeiro conquistar uma posição mais estável e depois tentar reorganizar a vida e buscar um caminho que realmente agrade. Aqui entra a domadora Marlena (Reese Whiterspoon). Esposa de August, ela é seduzida pelas vantagens e pelos medos da mudança, se sujeitando a muitas coisas com as quais não concorda, mas não quer arriscar seus benefícios e correr o risco de voltar à vida dura que levava antes de se casar.
Essa zona de conforto de Marlena é quebrada frequentemente pelos agravamentos na crise. Como era de se esperar pelo que simboliza, August não é nada gentil e a forma com que trata a esposa é bastante dura, principalmente quando está bêbado. A chegada de Jacob Jankowski (Robert Pattinson) abala definitivamente a vida da moça, que começa a perceber alguma alternativa.
Jacob é o típico trabalhador daquela época. Sem grandes laços familiares, sem perspectiva, sobe em um trem sem rumo, com a esperança de que este o leve para um lugar melhor. Consegue um emprego e, fazendo amizade com os outros empregados, começa a indicar os problemas que a onipotência de August ocasiona. Evidentemente ocorre um súbito e mútuo interesse por Marlena, que dá ritmo à trama e também serve de elo para a moça, que fica entre a vida materialmente confortável, porém sofrível, e a possibilidade de realizar os sonhos, que evidentemente corre o risco de ser uma escolha equivocada, caminhando no incerto.
Seguindo o paralelo entre os personagens do circo e as classes sociais, vemos que todos os empregados do circo, ou seja, toda a classe trabalhadora, muito numerosa, está subjulgada a um único patrão. Numericamente levam vantagem, porém quando o dono se vê ameaçado, sempre tem o braço forte, ou dos capangas ou do estado, dependendo da associação que estiver sendo feita, para lhe proteger.
A elefante, que em pouco tempo acaba sendo a principal e mais lucrativa atração do circo, pode sem bastante emblemática. Aquela que de fato gera renda não fala a mesma língua que o capitalista – o animal foi adestrado em outra língua, por isso não compreende as ordens em inglês. Além da dificuldade de compreensão a empregada, ou elefante, sequer tem consciência do lucro que proporciona ao circo, só sabe empiricamente que se não fizer exatamente o que for ordenado, será duramente castigada por isso – se August agride a esposa, dá para imaginar como trata os animais.
Água para elefante não chega a ser um grande filme marcante, mas as interações entre as classes retratadas e a forma com que a época da grande depressão é retratada, em meio ao universo lúdico do circo que oculta graves problemas em seus bastidores, torna a trama mais rica e atrativa, ainda que se renda a certos apelos comerciais.
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