Esta adaptação do diretor Sönke Wortmann conta a história de Johanna Wokalek, que driblou inúmeras dificuldades, tendo que se passar por homem para ter acesso ao ensino dos conventos do século IX ser escolhida para Papa. Muitos historiadores dizem não passar de uma lenda, de fato o enredo lembra muito as peripécias dos personagens de Giovanni Boccaccio em Decameron, satirizando o comportamento religioso.
Porém outros estudiosos afirmam que de fato houve uma Papisa. A igreja católica nega e afirma que a história é inverossímil, mas esse argumento partindo de uma instituição que afirma que houve a construção de uma arca para um casal de cada espécie de animais, do pinguim do polo sul ao urso polar do norte, do koala ao pernilongo, é bastante questionável.
Independente de lenda ou fato, o filme traz a tona relações de poder e intolerância que não estão superadas e ganham notoriedade em tempos de escolha do novo Papa. As mazelas da igreja são antigas e por mais que a instituição tente escondê-las, frequentemente escândalos explodem.
No filme Johanna Wokalek (Johanna von Ingelheim) nasce em uma pequena aldeia e é filha de um religioso extremista, que sonha em ver o filho mais velho como sacerdote e ignora o talento de Johanna em uma época que as mulheres não podiam estudar.
Esse filme exige a separação de religião e igreja, ainda que a primeira tenha originado a segunda. A religião surge como uma forma de conhecimento. É uma tentativa primitiva de explicar fenômenos que nos rodeiam. O desdobramento disso é que as primeiras escolas e universidades são administradas pela igreja, que com isso controla quem tem acesso ao conhecimento e o que é estudado, barrando os avanços científicos dos gregos durante toda a Idade Média.
Com o conhecimento fortemente ligado ao poder, a igreja católica manteve-se intocável por séculos, controlando e moldando a informação da forma mais conveniente para perpetuar-se junto aos poderosos. Desta forma a igreja sempre defendeu com unhas e dentes a estrutura social do ocidente, ou seja, a concentração de poder e de renda em uma sociedade extremamente machista e misógina.
Uma das explicações lógicas para a limitação da participação feminina no alto escalão da igreja, além do reflexo do machismo, é a questão dos descendentes, também abordada no filme. Não é de hoje que o celibato do clero é puramente teórico e não são poucos os casos de religiosos que tiveram filhos, ou seja, herdeiros, que para não terem direito às propriedades da igreja, costumam ser muito bem ocultados. Antes do exame de DNA era impossível provar a paternidade de forma irrefutável, mas o que fazer se uma religiosa engravidar (talvez em mais uma história digna de Boccaccio) e fornecer um herdeiro para dividir os bens da igreja? Haja espírito santo para justificar e ocultar tantos escândalos.
A postura de igreja, de defender de forma quase incondicional os dogmas postulados há milênios, é anacrônica e insustentável. Em decorrência disso a sociedade, que nunca foi tão estática quanto a igreja, muda seus padrões e cria novas categorias, como novas instituições, que mantêm as mesmas bases, mas fazem releituras convenientes, ou os tais “católicos não praticantes”.
Assim como o alto escalão da igreja, essas inovações moldam a palavra conforme a necessidade, o que não muda são os absurdos e terrores promovidos pelas instituições em nome da fé. A misoginia, que matou Johanna se a história for verídica ou que sem dúvida mataria, tornando a lenda verossímil, continua atuando. Segue também a tentativa desesperada da igreja de controlar a informação e encobrir as falhas em seus rígidos padrões teóricos, porém esta tentativa está cada vez mais frágil diante da facilidade com que a informação circula atualmente.
Esse filme é um bom exemplo de como o controle da igreja, que chegou a assassinar cientistas e artistas na inquisição, está enfraquecido, já que em outras épocas o simples lançamento seria impensável. Mesmo assim a instituição e fé seguem fortes, já que mesmo sendo um filme muito bem produzido, é bastante desconhecido e tem pouco espaço até mesmo nos meios especializados em cinema. Por mais que a história de Johanna seja encarada como lenda, o simples fato de ser plausível e das críticas permeadas nas entrelinhas serem incontestáveis, já é suficiente para tornar prudente o ostracismo da obra.
Se restar dúvida sobre o conservadorismo da igreja ou parecer uma teoria da conspiração, basta pensarmos na postura da instituição em relação ao uso de preservativos ou células tronco, ou ainda considerarmos que não há chance do próximo Papa ser mulher, e será visto como uma grande inovação se ele não for europeu!
7 comentários:
Caro Alexandre
O fato da Igreja Católica, não ter "interesse" em que seja verdadeira a estória desta "papisa", não a torna suspeita, porque ela ( a Igreja ) não se baseia em puras negações, mas tem documentação vasta e de época, sobre todos os Papas que existiram, e não há como encaixar esse figura, dita Papisa Joana, na lista dos Papas.
Ocorre que, se a eventual existência de uma "papa mulher", fosse algo POSITIVO para a igreja, você estaria considerando esse caso, como uma lenda ou verdade ??
No entanto, é apresentado como NEGATIVO, você prefere deixar em aberto a possibilidade dela ter existido.
Você pode me dizer: "Ora, você deve estar falando isso, porque é católico.." SIM, sou católico, mas estou te argumentando com fatos históricos..muito bem, não sou historiador, nem você deve ser...Mas eu tenho certeza, de que se você estivesse escrevendo sobre doenças do coração ou aquecimento Global ( não é medico, nem cientista...), procuraria se valer de informações consistentes e checaria fontes - acredito que faria assim - mas ao falar de temas religiosos, prefere recorrer ao improviso... Bem........... pode falar que está falando de um filme e não fazendo uma resenha histórica, mas mesmo assim, você trataria - penso eu - com mais seriedade se o tema fosse outro - o seu comentário embute seu preconceito contra a Igreja, o que prejudica a informação.
A Revista "Pergunte e Responderemos" , disponível on line do já falecido, Monge Beneditino D. Estêvao Bettencourt, trata deste caso histórico e de outros, com muita propriedade. Mesmo um estudioso ateu sério, prefere ler D. Estêvão, mesmo que para discordar depois - se conseguir - ao invés de perder tempo se inspirando em opiniões de Barbara Gancia ou performances de Madonna e Lady Gaga, não digo que seja o seu caso, mas você, infelizmente, procura valorizar uma lenda, ao invés de fazer uma pesquisa contundente. Se é contra a Igreja Católica, vale tudo, não é ?
Isso me lembra uma frase de um filme, chamado " O Homem que matou o Fascínora " :
"Quando a Lenda se torna fato, imprima-se a Lenda "
Um grande Abraço
Eduardo.
A vericidade ou não da Papisa é irrelevante para a crítica. Há no blog uma série de filmes de ficção analisados sob a ótica da plausibilidade.
Sim, Alexandre, mas você se ocupa em falar mais de catolicismo do que de cinema, você não se ocupa em falar da interpretação e da direção..do andamento do filme.....veja o conteúdo do seu texto. Você simplesmente se esqueceu do filme...esse mesmo diretor do filme da Papisa Joana, é um ex jogador de futebol que não fez sucesso nos campos e dirigiu o excelente "O Milagre de Berna", que é um filme sobre futebol, mas apresenta um pouco de catolicismo de forma positiva - comente-o aqui...A atriz Franka Potente, que sou fã, que participou de dois filmes da escelente Trilogia Bourne, além do excelente "Corra Lola", foi convocada para ser a tal Papisa, mas abandonou o projeto, para "noooossa alegria", deixando assim de manchar a sua carreira. comente "Corra Lola, corra" aqui....
Eu também tenho um Blog, que não é de cinema, mas escrevi sobre a Série MAD MEN. Dê uma espiada..
Abraço...
http://algosolido.wordpress.com/2012/04/15/mad-men/
http://algosolido.wordpress.com/2012/04/15/uma-boa-descricao-do-mal-parte-2/
A proposta do blog, está descrita no cabeçalho, é a de artigos que visam analisar filmes dentro de um contexto social. Como você mesmo disse, não sou historiador, também não sou cineasta para abordar direção ou atuação. Sou cientista social e é com este olhar que escrevi sobre este e sobre os outros filmes, independente do tema abordado.
Acho interessantes os pontos abordados na resenha, acredito que existem vertentes e devemos respeita-las, sendo opiniões ou não. A observação feita sobre todo o filme, mas gostaria de ressaltar que o filme foi baseado em um livro, onde Cross estudou 7 anos para escrever, então mesmo que o filme tenha sido feito por um diretor perdido no mundo a estória (ou não) foi feita por uma grande escritora empenhada e que estudou para faze-lo.
A forma que foi tratado o filme foi superficial mas foi válida, visto que essa é a analise do autor, por tanto devemos respeita, é assim que lidamos com pesquisa. Se eu não concordo eu que faça minha pesquisa para contrapor, e não simplesmente caracterizo a pesquisa como preconceituosa sem embasamento teórico algum;
E diante de todo o filme acredito que possam ter existido milhares de mulheres aptas a ser papas, rainhas, dominadoras.
Não há lacunas das fontes em nenhum dos períodos em que a turma tentou encaixar Joana.
Segundo a lenda elaborada por volta de 1250 pelo dominicano Jean de Mailly, Joana é colocada como sucessora do Papa Vitor III. Um outro dominicano e um franciscano embarcaram nessa, mudando a data do Pontificado de Joana, e Martin Troppan inclui seu nome na “Crônica de Papas e Imperadores”.
A questão é que seu Papado seria entre 855 e 857, logo após Leão IV. Probleminha: Bento III foi eleito logo em seguida a morte de Leão. E essa eleição é especialmente bem documentada em virtude de um fato inusitado que a transformou numa barafunda: o Imperador Bizantino era menor de idade, havendo confusão de colocarem no trono um anti-papa chamado Anastácio... Basta procurar os documentos da época ;)
Tem-se, então, que Bento III foi o Papa justamente nesse período de tempo atribuído a Joana.
Cara Yrina, observando seus comentários e da discussão com o Alexandre, resolvi expor minha opinião, respeito as suas, vejo que está bem informada, no entanto lhe falta um pouco de imparcialidade na sua pesquisa e suas falas que são contraditórias, você comenta sobre o preconceito em relação a igreja católica, não acredito que esse texto esteja imbuído de preconceitos, o seus comentários por outro lado são claramente de uma católica conservadora como muitos por ai, sou católica e historiadora, afirmo que apesar da minha fé, a história os fatos, os documentos, tudo sobre a igreja católica deste tempo esta cheio de lacunas e o que sabemos é que sim a igreja é regida por homens e impregnados da sede pelo o poder, é fato que a igreja a católica cometeu erros grotesco, e que abafou grandes escândalos como até hoje o faz, é inegável perceber suas contradições e suas tentativas de abafar o evidente, como posso falar de documentos e declarar que eles são verídicos, se na igreja a pessoas que podem forjar e sumir com outras evidencias sobre esses fatos, não podemos negar que dentro da igreja a sim uma grande disputa de poder, principalmente nesse tempo. Analisar esse filme sem retrata a sua abordagem da época e todos esses fatos sobre a igreja é o mesmo que nada, a hipocrisia nos cega os olhos, temos que enxergar o que ha nas entrelinhas dos discursos, o que tem além do que foi dito e o por que do que foi.
Caí neste blog tentando saber sobre a possível veracidade da história do filme e saber também se ele é bom, se vale o meu tempo.
Sobre a veracidade, percebi que o filme é ficção, assim como É FOCÇÃO que a Igreja PREGA que a Arca de Noé ou Adão e Eva sejam fatos históricos. Atualmente a Igreja busca comprovar que, apesar do importante conteúdo dos textos, nem mesmo Moisés é uma figura histórica.
E... quanto à qualidade do filme... ainda não sei.
Caso eu caia aqui de novo, espero que seu texto tenha um foco bem definido e que este seja bem fundamentado.
Agora tenho menos tempo para assistir ao filme!
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