Logo após os finlandeses do Nightwish lançarem o sétimo álbum de estúdio, Imaginaerum, a ideia de um filme baseado na obra ganhou forma. A parceria não tão explorada entre cinema e música rendeu o longa homônimo, que é um bom filme e mesmo não sendo uma obra-prima do cinema, tem pontos interessantes e quem sabe não inspira outras bandas a complementarem o trabalho de estúdio nas telas.
O diretor Stobe Harju também assina o roteiro, junto com Tuomas Holopainen, tecladista e principal compositor da banda. Como era de se esperar, o enredo traz muito do universo onírico e grandiloquente, que marca o estilo da banda, trazendo ainda referências cinematográficas marcantes, sobretudo com o boneco de animação, que tem clara inspiração no cineasta Tim Burton.
A história do filme gira em torno de Tom Whitman (Quinn Lord, Tuomas Holopainen e Francis McCarthy, aos 10, 47 e 70 anos), que a beira da morte devido a um AVC, delira em coma, fantasiando ainda ser criança. Sua memória da vida adulta não existe e em seu mundo de fantasia – onde podemos conferir as músicas do Nightwish, inclusive com os músicos tocando, fato que a princípio parece interessante, mas nem sempre foi bem encaixado nas sequências do filme – o velho homem segue sendo uma criança.
Fora do mundo onírico de Tom, sua filha Gem Whitman (Marianne Farley) não chega a ter grandes problemas em ver o pai à beira da morte, encarando com indiferença a escolha de desligar ou não os aparelhos que o mantém vivo. Tangenciando o tema da eutanásia, que não é a ideia do filme, o ponto central é que Gem se sente rejeitada pelo pai, carente da atenção que ele nunca lhe deu.
Ainda que esse enredo tenha se desenvolvido de forma interessante no filme, a inexperiência do diretor com este seu primeiro longa e mesmo de Tuomas, com seu primeiro contato com o cinema, ficam latentes em algumas partes, não sendo suficientes os requintes de superprodução para dar ao filme a qualidade final que mereceria.
Mesmo assim vale a pena um olhar mais atento sobre o desdobramento da história de pai e filha, que mal se reconhecem nestes papéis familiares. Em meio ao universo de sonhos e a fria realidade somos levados por um corredor estreito, esbarrando ora na insegurança da filha, ora na desconfiança, dada a demência do pai. O fato é que independente de filmes, fantasias ou enfermidades, dois pontos de vista sobre o mesmo fato, ou sobre a mesma relação ‘pai e filha’ nunca são iguais.
A versão que temos sobre nossas próprias vidas é construída a cada vez que relembramos fatos vividos. Por mais detalhistas que tentemos ser, ou talvez exatamente por sermos detalhistas, alteramos mentalmente os acontecimentos, excluindo algumas coisas e acreditando que realmente aconteceram pontos gostaríamos que tivessem acontecido. Assim Gem construiu a própria imagem do pai, corroborando a cada dia sua ideia pré-concebida de abandono. Por outro lado, alterado pelos problemas mentais, o pai vivia sonhos grandiosos para sua infância, desde seu boneco de neve que ganhava vida até o duelo entre bem e mal, vivido imaginariamente.
Em um filme fica mais fácil acompanhar duas versões da mesma história, confrontando os pontos contraditórios, conferindo de perto os equívocos e tirando as próprias conclusões sobre o que é apresentado. O que nos faz pensar em uma analogia com a vida real, não necessariamente em um conflito familiar, mas em relação à própria imagem que fazemos de outras pessoas.
Diante de uma situação em que todos os envolvidos juram ter completa certeza sobre o passado, em versões conflitantes entre si, como garantir que a veracidade dos fatos já não foi alterada, ainda que sem intenção, pelos sentimentos tendenciosos de nossa própria consciência?
Na verdade essa garantia não existe. Muitas vezes sequer uma acareação pode resolver determinados impasses e, não tendo na vida o recurso lúdico do cinema para retratar fatos passados, nos resta considerar a hipótese de nossas certezas não serem tão corretas quanto pensamos, e quem sabe considerar os benefícios da dúvida.
Com o filme o Nightwish mantem a característica de instigar aqueles que conferem suas obras a não somente contemplar o conteúdo, mas também pensar nos temas trabalhados e buscar significados em metáforas e histórias.
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