terça-feira, 13 de setembro de 2016

De longe te observo (Desde allá)

O diretor venezuelano Lorenzo Vigas Castes consegue abordar em seu longa diversos tipos de violência, desde as mais evidentes até as nuances que, de tão naturalizadas, podem passar despercebidas, ainda que causem desconforto do começo ao fim do filme.

Sendo Caracas uma típica grande metrópole sul-americana, reúne a desigualdade social necessária para que a primeira e mais clara ideia de violência apareça. Isso fica ainda mais evidente ao observarmos que Armando (Alfredo Castro) é o protagonista representante da classe média, proprietário de um laboratório de próteses, com uma renda que proporciona uma vida materialmente confortável.

Em pouco tempo notamos que a figura aparentemente alvo da violência de uma metrópole desigual é amparada por uma estrutura de outras violências, ocultas ou por serem banalizadas e aceitas como normais ou por acontecerem longe dos espaços públicos que garantiriam notoriedade.

A sexualidade costuma ser encarada pela sociedade de forma bastante ambígua, para não dizer hipócrita. O olhar de censura de pessoas mais conservadoras torna alvo de preconceito condutas que são encaradas por muitos como imorais, partindo do princípio que entre quatro paredes haveria um comportamento padrão e correto, fora do qual as pessoas deveriam ser marginalizadas, ainda que suas práticas não interfiram em nada no convívio com a sociedade.

Neste ponto a figura de Armando é contraditória e emblemática. Visitando a periferia da cidade ele oferece generosas quantias de dinheiro para que jovens rapazes tirem a roupa em seu apartamento e ele se masturbe. Se por um lado a sexualidade de Armando é reprimida e ao mesmo tempo sua atração por homens é censurada, por outro lado a exploração de jovens, ainda que já tenham completado dezoito anos, com uma supremacia econômica é um abuso a ser combatido.

Foi em busca de jovens para satisfazer suas fantasias que Armando chegou até Elder (Luis Silva). No outro extremo da pirâmide social, o rapaz é o estereótipo de um perfil cuja existência já caracteriza uma violência contra sua classe. Com a família desestruturada, trabalhando desde cedo e praticando pequenos furtos para complementar a renda, Elder é normalmente visto como agente ativo da violência urbana. Raramente ele ou a classe que representa é vista como uma vítima da violência estrutural, necessária para manter privilégios econômicos de uma pequena parcela da população.

Elder se vê dividido entre a tentação pelo dinheiro fácil e a pressão da censura, mais pela homossexualidade que pela moral, ainda que não houvesse na proposta de Armando a necessidade de contato físico. Aparentemente a situação econômica degradante não permite a seleção das fontes de renda, porém a homofobia parece mais forte que as necessidades materiais.

A partir de então o que parece é que Armando não vê no jovem apenas mais uma fantasia a ser consumida, mas alguém em quem valeria a pena insistir para que se torne uma pessoa melhor, desde que tenha acesso a condições que deveriam ser básicas para qualquer pessoa, mas que na prática são restritas aos que têm poder econômico.

Uma exploração só tem espaço onde uma das partes possui em excesso o que a outra parte carece. Isso não acontece necessariamente através de dinheiro ou bens materiais. Na relação retratada Elder possui como única moeda de troca seu próprio corpo, que é objeto de desejo de Armando. Este em contrapartida não tem somente o dinheiro, mas também uma série de outros confortos materiais, capital cultural, experiência de vida e o que Elder parece ter sido privado por toda sua vida: afeto.

Ao olharmos para uma relação entre pessoas de idades muito diferentes uma série de abusos podem ser listados, um deles é a manipulação psicológica que ocorre em qualquer relação, ainda que involuntariamente. O agravante nesse caso é a discrepância de experiências de vida. Armando não é apenas mais velho que Elder, mas também tem muito mais cultura e uma vida diversificada, comparada à do jovem que no máximo deixa a periferia onde mora.

O diretor joga muito bem com as atitudes dos personagens mostrando sempre a ambiguidade de situações que fogem do simples certo ou errado. Estamos habituados com filmes estruturados na ideia de mocinhos e bandidos muito bem definidos, mas quando se falar em violência urbana de forma coerente com problemas sociais reais, tudo fica muito mais misturado.

A repressão sexual é um tipo de violência, assim como a privação de direitos sociais básicos. Se a prevenção a essas violências não foi possível, a correção deve ser feita de forma responsável e adequada. Um erro nunca se corrige com outro.


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